
Eu estava em um táxi no Rio de Janeiro e eis que me aparece algo assaz interessante, vindo da boca de uma taxista: as idéias que ela comungava a respeito da realidade. A senhora contava quase quarenta anos. Era uma mulher negra e, provavelmente, de humildes origens. No entanto, tinha um carro e com ele ganhava seu pão. Quando eu me direcionava ao Corcovado para ver o Cristo Redentor, eis que a moça solta um discurso que me deixou impressionado. Ela dizia trabalhar mais de dez horas por dia e achava injusto pagar tantos impostos para nada; odiava traficantes e bandidos; que o problema do Rio de Janeiro não era ter ricos e pobres e sim os pobres não conseguirem nada. Ela prezava por uma ética do trabalho capaz de causar inveja a Weber e ao espírito protestante do capitalismo. E era católica. Mônica era seu nome. E eu disse: - Mãe de Santo Agostinho. E ela retrucou: - Isso mesmo, Santa Mônica!
Meu amigo, que me acompanhava no veiculo, expressava um certo ar de perplexidade. Todavia, a simpática senhora dizia votar em partidos totalmente contrários a seus valores. Talvez faltasse a ela uma concepção doutrinária ou mesmo filosófica de idéias políticas. Ela dizia votar em grupos de esquerda porque era “oposição” ao governo. Na verdade, para ela, a divisão esquerda e direita parecia inócua. Havia a “situação” e a “oposição”, a aceitação e a rejeição daquilo que ela gostava ou odiava. E a situação que ela odiava era justamente aquilo que feria seus valores.
Quando saímos do Corcovado, pegamos outro táxi. E víamos nos arredores do Cristo Redentor pouquíssimos restaurantes. E alguns outros serviços eram, inclusive, estatais. Quando falávamos de algumas deficiências no atendimento ao turismo, um taxista nos falou: - O governo devia privatizar mais e deixar a iniciativa privada funcionar melhor! Não me conste que o segundo taxista tenha lido os economistas austríacos. . .
Naquela Cidade Maravilhosa decadente, que guarda ainda resquícios do seu glamour, ouvi declarações, pensamentos e idéias da gente comum que impressionavam pela clareza de conceitos. Não que entre eles não haja um resquício patrimonial. O patrimonialismo é uma má cultura política disseminada nas idéias do povo e mesmo nas elites. Havia um certo ar paternalista no discurso dessa gente. Porém, como pessoas do cotidiano, elas percebiam coisas, que de tão óbvias, as elites políticas e intelectuais são incapazes de notar. Na prática, há um hiato intelectual, moral e ético entre as elites e o povo.
Não me refiro somente à esquerda festiva que fala em nome da população, ainda que ignore ou mesmo despreze suas idéias e valores. Até os conservadores militantes, que são bem poucos, ignoram o que o povo pensa. Ou na melhor das hipóteses, não conseguem criar vínculos orgânicos entre a sociedade, por mais que a mesma nutra simpatias conservadoras. São como sapos nas nuvens, discutindo brilhantes teorias econômicas e políticas hipotéticas, lindíssimas no papel, contudo, impraticáveis, por faltar praticidade para tanto. O vácuo político e cultural das direitas é diretamente proporcional à hegemonia dos esquerdistas.
Neste ponto, a esquerda foi bastante esperta. Ela acabou se apropriando de todos os discursos éticos e morais do conservadorismo, para inverter tudo isso em seu favor. Daí a entender porque a taxista vota nos partidos de esquerda, ainda que suas convicções sejam mais próximas da direita.
Se a ética e a moral são esvaziadas de sentido, resta tão somente a corrupção do discurso, que acaba refletindo nos costumes. Como a esquerda inverte os papéis culturais da ética e da moral, dentro de uma lógica de delinqüência, não é mera coincidência entender as razões da cidade do Rio cair numa cultura de permissividade e violência. Uma cultura, no mínimo, esquizofrênica, já que implica uma dubiedade incompatível com a racionalidade elementar. É a realidade de um povo que quer ordem e decência, enquanto uma boa parte das elites faz apologia do bandido e do traficante; é a esquerda festiva palpiteira pedindo paz nas ruas, enquanto sustenta o narcotráfico, via seu consumo; é a inépcia de um governador que quer extinguir uma parte da população carioca pelo aborto, porque é incapaz de combater o crime organizado; é a glamourização do bandido como justiceiro social, enquanto as maiores vítimas da violência são os pobres. Essas e outras questões demonstram o desamparo do carioca médio e o total distanciamento e alheamento das elites pensantes e governantes. O Rio desconhecido, que clama por mais justiça, mais ordem, mais confiança, seja nas ruas, nas favelas ou mesmo em uma classe média pacífica e ordeira, não existe nas lorotas intelectuais universitárias, na mídia, e mesmo na classe política. São dois mundos diferentes, irreconhecíveis, distantes entre si.
5 comentários:
O que acabou com Rio foram anos e anos de governos vagabundos e criminosos esquerdistas. É tétrico.
Oi:
Feliz Natal.
De parte de Pandora, Caracas, Venezuela.
Resistencia Santiago de León de Caracas
O Jeffrey Nyquist fez um documentário chamado "What we think", são jovens americanos de cerca de 20 anos opinando sobre tudo, aborto, prostituição, drogas, sentido da vida, religião, crimes, etc.
É interessante como os valores foram completamente transformados, a diferença das idéias entre um jovem de 20 anos e um senhor de 60 é muito maior que a do mesmo senhor e um homem do século XV, isso não é um processo natural, é calculado.
Ótimo blog, te aconselho a reunir material fotográfio sobre o comunismo suficiente pra montar um bom livro! Bom Natal!
É, querido...
Mas, infelizmente, o Rio tem muitos, muitos esquerdistas mesmo.
Beijos!
Perdoe-me vir para não omentar, mas só hoje fiquei sabendo do seu blog.
Olhando rapidamente vi que é muito interessante e, melhor ainda, você tem idéias excelentes e escreve muitíssimo bem.
Por acaso é professor ou jornalista?
Voltarei depois das festas para ler tudo e aprender aqui.
Parabéns!
Beijos, feliz natal!
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