O discurso da “globalização” do folhetim me chamou a atenção. Não condizia com a mentalidade à volta, já que uma boa parte das ONGs esquerdistas é antiglobalizante, ao menos, no discurso. É paradoxal que o mundo mais estranho e excêntrico se reúna em Belém e critique a idéia da globalização. O evento do FSM é produto dela. Ela, uma alemã, vinda de tão longe e eu aqui na minha terrinha, jamais nos encontraríamos se a globalização não existisse. Porém, o FSM é justamente uma reunião de gente que vive nas nuvens, que não tem pés nos chão. Muita gente talvez acredite, como tantos ali, que a humanidade sempre teve essa proximidade por toda a vida histórica do mundo. Que talvez não precisássemos de marítimos portugueses e caravelas para descobrir mundo desconhecidos e enfrentar um mar tenebroso.
Globalização “social” e “democrática” é uma frase pomposa, embora oca. Primeiro, porque não define qual modelo democrático a ser desenvolvido. É o modelo liberal democrático? Pelo viés socialista do grupo, provavelmente não. E segundo, o “social” é mero enfeite, mero ornamento para um slogan sem sentido. A não ser, claro, que esconda o viés socialista. Se a democracia é “socialista”, o projeto defendido pela jovem é, no mínimo, assustador. Porque uma “globalização” socialista seria basicamente a criação de uma burocracia mundial centralizadora, controlando toda uma humanidade e anulando a soberania e independência dos países. Por outro lado, parece que o grosso da esquerda não leu o velho Marx. Se alguém lesse que tipo de globalização Marx preconizava para a sociedade, seria chamado de “fascista” no FSM. Pouco interessava pra ele se a expansão capitalista era pacífica ou violenta. Pelo contrário, as revoluções violentas e destruidoras eram bem vindas, porque geravam rupturas e a aurora de uma nova sociedade. O teórico alemão não tinha o menor pudor em defender a expansão dos americanos sobre o território do México, na famosa guerra entre esses países, finalizada em 1848. Tampouco morria de amores pelos povos eslavos, dentre os quais, nutria profundo desprezo aos poloneses, e odiava os magiares húngaros, considerados subdesenvolvidos e inferiores. Que dirá então da sua apologia ao imperialismo inglês na Índia? Um historiador literário inglês, em farta pesquisa sobre o assunto, afirmou que Marx foi o ancestral histórico do genocídio por motivações políticas. Como um materialista e darwinista que era, ainda que com roupagem histórica economicista, Marx olharia com desdém o folhetim da alemãzinha idealista. “Globalização social” e “democrática”, para ele, soaria ridículo. Aliás, a condenação antiglobalista das esquerdas contra o capitalismo soaria mais ridícula ainda, já que a tradição marxista, no geral, é apologética do globalismo, ainda que na sua versão de “internacionalismo proletário”.
Chego a um restaurante do centro da cidade e observo uma velha hidrófoba com roupas surradas, falando castelhano. E aí, na camisa dela, ela reivindica os chamados “direitos reprodutivos”. Entenda-se: para uma feminista do Fórum “Sociopata” Mundial, “direitos reprodutivos” é simplesmente o direito de não reproduzir nada. Ou melhor, é um eufemismo para a legalização do aborto. Tal como o “social”, os “direitos reprodutivos” são sutilezas que não podem ser reveladas. Chega a ser patético a mulher reivindicar o que já possui, uma vez que as fêmeas se reproduzem desde que mundo é mundo. Pior é a nojeira das tais “católicas” pelo direito de decidir. Leia-se, decidir matar o nascituro. Tais associações, muitas vezes, estão ligadas aos Direitos Humanos, ainda que ninguém se escandalize com a relativização completa da vida humana.
Todavia, a esquerda se recicla nos seus objetivos, liberando cheque sem fundo pra todo mundo. Tanto faz alguém ser contra ou a favor do aborto ou ser a favorável ou não à globalização. A esquerda quer controlar todos esses movimentos, por mais contraditórios que possam parecer. E as ONGs são uma das forças mais poderosas de conquistas de cérebros e militantes na sociedade civil. De fato, para mobilizar tantas pessoas num fórum cheio de maluquices e contradições, esses organismos conseguiram angariar dividendos poderosos, com mãos-de-obra “voluntárias” e baratas para finalidades políticas escusas. Milhares de inocentes úteis sem causa, frustradas, vazias de existência, apegam-se infantilmente a projetos literalmente inúteis ou inconsistentes. E as idéias são as mais tresloucadas ou paranóicas possíveis. De fato, é uma loucura coletiva, um sinal de insanidade mental generalizada. Chego a pensar que determinadas ONGs deveriam ser até proibidas, por questão de higiene psicológica.
Quando eu vejo movimentos como o feminista, o homossexual, o negro, o índio e outros, reivindicando “direitos” espúrios, como crianças birrentas com o pai, eu me pergunto: o que eles querem mais, dentro daquilo que já têm? As mulheres já conquistaram a igualdade de direitos e, em alguns casos, possuem empregos melhores do que os homens; os homossexuais, sob determinados aspectos, são mais respeitados do que os heteros e têm uma proeminência desproporcional em setores culturais e de opinião pública; e os negros e índios conquistaram a igualdade jurídica necessária para tocar suas vidas sem serem incomodados. Entretanto, quanto mais eles conquistam regalias governamentais e subsídios, mais parecem insatisfeitos, mais insistem em exigências extravagantes de proteção do Estado. O curioso é que no final das contas, nada disso os favorece em melhoras para suas vidas. Na prática, é uma eterna e irresoluta revolta contra o sistema e uma renúncia de si mesmos. Entretanto, para os organismos políticos que estão por trás dessas associações, essas pessoas só são realmente importantes como instrumentos para seus projetos de poder. As ONGs são sua forma de controle, tal como o Partido Comunista fazia com a sociedade civil, instituindo associações de massas policiadas pelo Estado. Explorar pessoas dependentes, psicologicamente fracas, no sentido de exigirem mais proteção do Estado é uma bela tarefa para uma gigantesca burocracia se legitimar sempre.
Um aspecto revelador desses métodos foi o caso de Marta Suplicy. Ela praticamente fez carreira política explorando a “causa” do movimento gay. Porém, na sua última disputa eleitoral para a prefeitura de São Paulo, a mesma fez insinuações maldosas sobre a sexualidade de seu rival Gilberto Kassab. Acusou-o pejorativamente de homossexual. O que essa história nos diz? Homossexuais são bons quando fazem parte do controle das esquerdas. Quando fogem do seu controle, elas só faltam atirar pedras. . .
Há outra questão importante a ser notada: algumas ONGs, que dizem ser “não-governamentais”, acabam sendo elevadas como organismos paraestatais, seja na reivindicação de projetos políticos para a sociedade civil (ainda que sem o consentimento desta), seja no acesso de mais verbas públicas. O FSM é um exemplo cabal de um evento puro de estatismo, já que o governo quer criar quadros para seus projetos e massas para serem obedientes. E quantas ONGs não são sustentadas pelo governo federal para disseminar um vendaval de jumentices? Além de ter sido financiado com milhões de reais do contribuinte, o encontro ocorrido em Belém denuncia o desperdício de dinheiro público para financiar as idéias mais estúpidas e mais bovinas da atualidade mundial. Mas por que tantas idéias imbecis são divulgadas como coisa séria, influenciando e deformando espiritualmente universitários e ativistas? Justamente para subjugar a sociedade civil, torná-la infantilizada na ação de seus protagonistas políticos e intelectuais, gente ambiciosa, inescrupulosa e perigosa da pior espécie. As associações de massa, velhas crias dos totalitarismos, acabam virando instrumentos poderosos em nossas democracias, no financiamento estatal das ONGs.
Esse vazio de idéias, de projetos, de pensamentos, reflete outra faceta da nossa civilização. A laicização do mundo ocidental adquire dimensões trágicas quando a religião cristã perde terreno para as utopias e credulices filosóficas, éticas e morais mais caricatas encontradas na modernidade. Durante um bom tempo da história do ocidente, as ocupações civis eram orientadas por associações intelectuais e filantrópicas de sólida influência religiosa. Dentro de bases morais e simbólicas cristãs ou, em menor grau, judaicas, havia um senso de racionalidade de conduta que criava laços autênticos de amizade e solidariedade. Aliás, havia algo melhor: as atividades eram genuinamente voluntárias. Quem negará os esforços intelectuais dos monges e dos santos de antanho para civilizarem a Europa e o mundo, por meio de seu conhecimento e de sua caridade espontânea, quase gratuita? Dos beneditinos aos jesuítas, os alicerces do que chamamos de “civilidade” estão impregnados em nossas consciências. O que se convém chamar caridade hoje é “responsabilidade social”. Caridade se tornou uma espécie de chantagem contra os ricos ou contra qualquer pessoa. Ou então a “obrigação” do Estado de nos paparicar. Só que essa “obrigação” é bastante onerosa: o mundo substituiu os pobres monges pelos caríssimos e inúteis serviços de seguridade social, com seus burocratas parasitas e hostis. E o “trabalho voluntário”, por assim dizer, quer destruir a voluntariedade da vida civil pelo controle total do Estado.
Muitos sonhadores tolos do FSM que servem como escravos nas ONGs, bem poderiam servir aos ofícios da Igreja, ajudando concretamente pobres e doentes. As ONGs esquerdistas roubaram os antigos voluntários cristãos. Destruíram suas consciências. Rebaixaram sua moralidade. Até a linguagem cristã tradicional é roubada. Fala-se de “solidariedade”, “justiça”, “igualdade”, quando na verdade a semântica é deturpada. O sentido de religiosidade do Fórum Social Mundial é digno das superstições mais grosseiras. O Deus cristão divide seu espaço com bruxinhas wiccas e duendes, tudo num templo “ecumênico”, tal como uma orgia de um acampamento de hippies.
A jovenzinha alemã parecia ser uma idealista cheia de boas intenções. Parece crer que seus esforços poderão levar a um mundo melhor. Todavia, tudo leva a crer que seus ideais serão desastrosos, como as aspirações da grande maioria do FSM. Como diz o ditado, o inferno está cheio de boas intenções. E por quê? Porque não têm substância, são como castelos de areia. Ou na pior das hipóteses, um caso sério de saúde pública. Esse fator é um reflexo grave de uma profunda doença espiritual e civilizacional. O ocidente definha por uma questão muito simples: não compreender as coisas óbvias, não saber mais raciocinar. Enquanto essas criaturas declassès constroem um “novo mundo possível” para nós, as pessoas normais não percebem as mudanças que podem ocorrer. O FSM, com suas tribos de “ongueiros” loucos, é a miniatura do hospício que um dia poderá ser o ocidente. E o mundo, dominado por eles, será um grande hospício.