sexta-feira, julho 24, 2009

A vontade geral dos totalitarismos.

Recentemente, em uma audiência do Supremo Tribunal Federal, o Ministro Joaquim Barbosa trocou farpas pessoais com outro Ministro, Gilmar Mendes, afirmando que este estava arruinando o judiciário. Revidando a provocação, Gilmar Mendes disse que o seu colega não tinha condições de dar lições de moral. Ao ouvir a resposta, Joaquim Barbosa revidou: - “Saia à rua, ministro Gilmar, saia à rua, faça o que eu faço!”. Aquela frase do ministro foi profundamente incômoda , por simular uma perversão de linguagem, por trás de um populismo demagógico. Para ele não existe a lei, a Constituição, o decoro ou os princípios morais elementares: há sim o palpite da massa, o argumento da popularidade, um sofisma inaceitável para quem ocupa um cargo de tamanha importância. O palpite se tornou o dom supremo de deliberação do magistrado.

Todavia, não podemos culpar somente o ministro. A constituição brasileira é, essencialmente, demagógica. Quando a Carta Magna, no parágrafo único do art. 1 diz que "Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”, há uma margem para a destruição da democracia. De fato, a sementeira do mal está na visão de Rousseau, que coloca a idéia da “vontade geral” acima de valores transcendentes na política. A questão chega a ser idolátrica: se todo poder soberano emana do povo, personificado numa ilusão de um todo coletivo, logo, este povo acaba sendo equiparado ao plano divino, acima de qualquer sentido de valor, moralidade ou transcendência, e o imanente, o circunstancial, o terreno, estará acima do bem e do mal. “Todo poder emana do povo” quer dizer que o povo é uma espécie moderna de deus. E a Constituição, uma forma laicizada de revelação divina. É, em suma, um componente abertamente revolucionário, quase que como uma religião civil (algo que de fato Rousseau idealizou para o seu “contrato social”). Entendamos um paradoxo na visão rousseana: a “vontade geral” não se confunde com a vontade dos indivíduos isolados, e sim com uma “vontade” em torno do conjunto, como se os atributos comuns da coletividade pudessem fabricar uma homogeneidade no âmbito político. Há, inclusive, uma confusão imperdoável que ele faz entre a vontade coletiva e o chamado “bem comum”, tornando a idéia do todo coletivo, que bem poderia ser a “vontade popular”, num dom infalível. Se a sociedade política é tão somente um reflexo da famigerada “vontade geral”, ela pode ser qualquer coisa, porque a vontade abarca o infinito, o arbitrário, o ilimitado. No final das contas, o Estado se torna uma abstração com vontade e consciência próprias, acima dos desejos individuais isolados dos cidadãos. E a “vontade geral” se absolutiza na figura do Estado. Ou pior, absolutiza o Estado.

Voltemos ao Ministro do Supremo. A idéia dele de conclamar a voz das “ruas” encarna a premissa de que os humores momentâneos da massa estão acima das próprias leis constitucionais que eles, mesmos, como juízes, julgam. Ou seja, se nos termos da Constituição, a vontade geral do povo é o poder absoluto, logo, esse poder pode adulterar e destruir a própria Carta Magna, inclusive, seus direitos e garantias individuais. A emanação absolutista da “vontade geral” é, paradoxalmente, uma das maiores contradições das democracias liberais modernas. Pois uma de suas premissas, ou seja, o da chamada “soberania popular”, é perfeitamente refratária e inimiga das liberdades democráticas. Até porque o princípio é abertamente totalitário.

Se não bastasse o clamor do Ministro Joaquim Barbosa, um grupelho de oportunistas, que se auto-intitulou “Saia às ruas”, aproveitou a chamada para espezinhar o Ministro Gilmar Mendes, exigindo sua exoneração. A tal voz das ruas, ao arrepio das leis, acha que pode resolver as pendengas políticas no grito. Não há leis e Constituição para coibir a fúria dos incautos. Basta que uma corja autonomeada esperneie para se declarar a expressão máxima do palpite do populacho e destruir todas as estruturas orgânicas que protegem a democracia da tirania. Como a esquerda é mestra nas turbas autonomeadas na “vontade do povo”, é também precursora, na base do grito ou chantagem psicológica, da ameaça a autonomia do judiciário, transformando-o numa espécie de tribunal ideológico. De fato, é assim que pensa gente do naipe do Ministro da Justiça Tarso Genro, embebido na perversa doutrina do “direito alternativo”.

Por falar em “vontade geral”, um filme que marcou época na história do século XX, sem dúvida, foi o documentário do Partido Nazista, “O Triunfo da Vontade”, de Leni Riefenstahl. Entre as coisas mais incômodas do filme não foram tanto a beleza das cenas medievais de Nuremberg, o jogo inovador de filmagens e a magia teatral dos comícios e marchas nazistas. O incômodo mesmo foi ver o triunfo da vontade de Hitler, na figura de milhões de pessoas padronizadas militarmente em torno de uma só idéia e uma forma uniformizada de organização. A mensagem das cenas transmite a seguinte questão: a pessoa humana, através de sua integridade e suas peculiaridades, não vale absolutamente nada. É uma figura perdida e atomizada no meio da massa obediente e servil como curral partidário e estatal. Por outro lado, os comunistas teatralizaram a “vontade geral” nos julgamentos-farsa contra dissidentes, em particular, nos famosos processos e expurgos do Partido Comunista em Moscou, em 1936. A ralé histérica fazia claque nos julgamentos e pedia a morte do “inimigo do povo”, enquanto os juízes soviéticos e mesmo Stálin fingiam constrangimento. Por vezes, para tornar a farsa ainda mais convincente, havia comícios e marchas “populares” pedindo a destruição dos “sabotadores” do Estado soviético, como se cada cidadão fosse algum criminoso em potencial. Isso engendrou um clima de paranóia e loucura sem fim na União Soviética e milhões de pessoas foram presas ou deportadas para os campos de concentração. Cada vizinho bisbilhotava seu vizinho, cada indivíduo era suspeito e o Partido-Estado, junto com sua polícia política, a NKVD, espionava a tudo e a todos. O “coletivo”, a “vontade geral”, “indestrutível” nas palavras de Rousseau, tornou-se um monstro capaz de consumir e aniquilar os próprios indivíduos. Os nazistas e os comunistas têm sólido débito com Rousseau. A ditadura de partido único, com suas organizações de massa, foi a idealização concreta da “vontade geral”, dentro de um sistema de uniformidade política. E a sua religião civil estatal virou o culto da nação, da raça ou da classe eleita pela história. A diferença entre Rousseau e os totalitarismos, por assim dizer, é apenas questão de estrutura e institucionalidade. O partido único dá conta de ser a “vontade geral” de todo mundo. Gerar forçosamente um consenso foi a coisa mais simples. E ainda há gente que acha que o elemento essencial da democracia é a vontade da maioria!

Porém, essa cantilena da voz do povo parece dominar o espírito do Ministro, já que as suas razões não estão nas leis, mas nas manifestações da chamada “opinião pública”. Como se sabe, “opinião pública”, tal como “vontade geral”, é o conceito amplo, que pode ser perfeitamente distorcido. A pergunta que surge é: quem fala em nome da opinião pública? Quem fala em nome das ruas? Se for analisada a chamada “sociedade civil” com suas ONGs, “movimentos sociais”, escolas e universidades, além da imprensa, a hegemonia da esquerda é quase absoluta. Só que esta é tão somente uma minoria bem organizada e, provavelmente, não representa o grosso do que pensam a maioria dos brasileiros. Será que a justiça ignorará suas leis e suas regras formais, dentro de um Estado de Direito, para fazer valer a opinião de um grupo minoritário, só porque ele se autonomeia porta-voz de uma maioria silenciosa? A experiência histórica não engana: esses porta-vozes da “vontade do povo” não representam nada do povo. Representam a apenas a sua vontade política em causa própria.

Não será o mesmo dilema para o Ministro Joaquim Barbosa, quando ele apela à “voz da rua”, como se os juízos vulgares da massa pudessem superar o bom senso e a imparcialidade dos juízes? Qualquer pessoa de bom senso sabe que as opiniões comuns do povo são as mais toscas, as mais superficiais, produtos, muitas vezes, de lugares-comuns produzidos pela imprensa e por facções políticas poderosas. É lamentável que alguém, supostamente preparado para a salvaguarda das leis, faça dos palpites rasteiros da massa um pretexto para a legitimidade de suas idéias ou pendengas com outros ministros. Se tais idiossincrasias demagógicas germinam na cabeça de um juiz do Supremo, que dirá então se o rebanho começar a ditar regras, ao arrepio das leis instituídas, e os magistrados acatarem-nas? Todos os mais aberrantes totalitarismos nascem de uma fictícia “vontade popular” compacta, elevada na sacralização do poder estatal que diz emaná-la. Entretanto, o Sr. Ministro não está sozinho na premissa arbitrária que expôs para sua defesa. A própria democracia se permite a isso. A política moderna diviniza a vontade popular. Tais as origens intelectuais das aberrações professadas publicamente pelo ministro. . .

terça-feira, julho 14, 2009

Espetáculo da decadência.


Quando soube da notícia da morte do cantor Michael Jackson, confesso que tive uma surpresa. Não que eu morresse de amores pela suas músicas. No geral, sua carreira me foi indiferente. Alguma exceção que apreciei foi na época do “Jackson Five” e alguns sucessos isolados, quando o artista ainda era um jovem negro, isso, quando eu era também uma criança, lá pelos anos 80. A precocidade de seu falecimento causou certo impacto, embora o sujeito tivesse um comportamento visivelmente niilista, destrutivo. Curioso foi o circo de sensacionalismo e vulgaridade que a mídia nos brindou, a respeito de seu velório. Durante uma semana, o noticiário estava tão impregnado de Michael Jackson que pensei seriamente que deviam enterrá-lo o mais rápido possível, de preferência, jogando toneladas de concreto, para que o cadáver não saísse nunca mais do túmulo. Assim, seriamos poupados dos zumbis do Thriller e deixaríamos o homem descansar em paz. Ao menos, ele teria uma morte digna!

Foi um caso estranho de intoxicação jornalística, de repetição frenética de propaganda, quase que como uma lavagem cerebral digna das ditaduras totalitárias. Quase tudo era divulgado e provavelmente saberíamos de tudo sobre ele: seus caprichos, seus problemas familiares, suas supostas namoradas, seus escândalos sexuais pedófilos e, quem sabe, até a cor de sua cueca. E mais fofocas corriam soltas sobre sua herança e seus milhões de dólares gastos em futilidades e plásticas monstruosas no nariz e em todo o rosto. Apesar de tudo, esse detalhe não foi tão surpreendente. Assustador mesmo foi o vendaval da idolatria pelo cantor, algo chegando às raias do patético. Fãs que choravam copiosamente, fãs que seguravam os retratos do ídolo, fãs que peregrinavam sobre a propriedade do cantor na “Terra do Nunca”, idealizando-o, imputando-o virtudes inexistentes, como se fosse uma espécie moderna de santo medieval. Até a morte se tornou uma espécie de espetáculo! É curioso que nesta dramatização de choros, ranger de dentes e desesperos, há um retrato de profundo vazio espiritual em nossa sociedade. O apego cego a Michael Jackson e o fanatismo disseminado pela imprensa é um sintoma completo disso.

Este fato me causou profunda impressão. Se atentarmos às peregrinações, manifestações deploráveis de culto à personalidade e idealizações rasteiras do ídolo pop, elas representam um sintoma de religiosidade, ainda que distorcida e caricatural. Isso leva a crer que, a despeito do bombardeio sistemático contra a religião, alimentado pela imprensa e setores culturais, o laicismo e o materialismo não conseguem abolir o sentimento religioso. No máximo, conseguem corrompê-lo, na reverência a coisas transitórias. A histeria em torno de Michael Jackson é a devoção popular do supérfluo, do efêmero, cujo objeto de consumo será esquecido na próxima estação. E será substituído por outra figura bizarra e estranha, tão deformada quanto o ídolo anterior. Se não bastasse este mero detalhe, a imprensa desenterrou outras figuras lendárias do mundo pop: desde Elvis Presley até Janis Joplin, a hagiografia dos artistas foi quase completa. E, ainda, sem se esquecer de John Lennon, com suas músicas enfadonhas e seus sonhos idiotas de “imagine”. . .

A nossa sociedade capitalista, decerto, proporciona muitos confortos materiais. Inclusive, aumentou o padrão de vida das populações. Contudo, já dizia o epíteto bíblico de que não só do pão viverá o homem. E neste aspecto, o homem médio da atualidade parece viver numa fome espiritual profunda e come farelos. Os confortos materiais da sociedade criam uma ilusão de que o universo imanente é a única coisa que existe e pode nos realizar. É sintomático que nossa sociedade seja tão rica materialmente e tão pobre espiritualmente. A falta da crença em algo transcendente e absoluto leva a atual sociedade a adorar deuses de barro. Houve gente que dizia que Deus estava morto. Na verdade, quem morreu espiritualmente foi o homem. . .Chesterton afirmava que quando as pessoas deixam de crer na religião cristã, elas podem crer em qualquer besteira! Nada mais correto! O fenômeno Michael Jackson é a representação mais perfeita deste show de decadência!

quinta-feira, julho 09, 2009

Caríssimos amigos.

Eu estava ausente por uns tempos, por conta de alguns problemas particulares. A partir da próxima semana, estarei voltando com mais novidades. Abraços!