
Nada mais sábia a frase latina “corruptio optimi pessima”, a corrupção dos ótimos é péssima. Os “ótimos”, neste caso, são as elites que devem servir e dar exemplos para o povo não se corromper. Um sábio, um advogado, um médico, um político, um comerciante, um professor, um nobre, um eclesiástico, em suma, todo aquele que mantém posição de destaque dentro de uma sociedade, tem obrigações morais para os papéis sociais que representam. É certo que essas responsabilidades não se restringem a elas, e sim a toda a sociedade, mesmo aos menores. Contudo, as elites é que sabem inspirar essas atribuições, pois são elas que se destacam e servem de modelos para o resto. As variadas classes sociais de elite na sociedade, e mesmo àqueles que fazem papéis representativos de elite nas classes mais baixas, devem ter no cerne do seu destaque, as responsabilidades inerentes à liderança e ao poder. Há de se reiterar que as elites autênticas não têm origens sociais específicas; como significam tão somente os “melhores” indivíduos da sociedade, surgem em todas as camadas sociais. Um homem pobre de grande valor moral e ético pode ser alguém da elite, precisamente por inspirar seus concidadãos no sentido do dever e da grandeza de espírito. A elite é aquilo que a nobreza francesa categorizava como papel social atribuída a si mesma: la noblese oblige. E quando os mais destacados se corrompem, estes que até então deviam ter a obrigação de se tornar melhores, acabam se tornando os piores.
Uma das causas da deterioração moral das lideranças foi a destruição mesma do conceito de elite. Neste país, de tanto depreciarem os aspectos necessários a ela, e mesmo criarem estigmas contra a sua mera existência, gerou-se um vácuo de deveres do comando. Há de se destacar dois aspectos da concepção elitista: um grupo de pessoas que encarnam valores genuínos, de grande valia e referência para a sociedade; e, através disso, a formação de uma escala hierárquica de valores morais, éticos e intelectuais que é construída historicamente na consciência do povo, e que depura ou mantém o nível das boas lideranças. Essa construção de uma ordem de valores está atrelada aos exemplos que as elites desenvolvem, interagindo com a sociedade e formando um ethos comum de distinção social e referência.
Na verdade, as elites não encarnam somente os princípios da liderança, no quesito de certas pessoas; elas formam também um arquétipo de valores culturais. Grandes nações, grandes monarquias e grandes repúblicas existem, pelo aval de homens e famílias notáveis, que souberam, através de suas capacidades exímias, liderar e inspirar povos e criar louváveis instituições. Neste caso, as verdadeiras elites encarnam situações destacadas no plano da institucionalidade. Elas respaldam toda uma sorte de valores que dão sustentáculo moral a uma sociedade e, cujos indivíduos a acatam, no sentido da própria organização sociopolítica. O que faz com que um povo eleja um bom representante, reverencie as famílias nobres ou mesmo admire grandes personalidades, é saber compreender as distinções necessárias entre os mais destacados, no sentido de se fazerem servir e serem servidos por estes.
O igualitarismo democrático parece perverter esse conceito, precisamente porque nivela as elites no plano das massas. Esse problema não é em si, particular de nosso país, contudo, universal, já que as ideologias revolucionárias se tornaram mundiais. Por outro lado, a corrupção moral das elites brasileiras não é de hoje. Os vícios políticos patrimoniais das lideranças do país pervertem, em parte, as relações das elites com o povo. No entanto, houve épocas em que havia gente de fina flor, homens de sólida cultura e honestidade, que sabiam inspirar verdadeiros conceitos elitistas. Houve um país de grandes escritores, grandes intelectuais, grandes empresários, grandes historiadores, grandes diplomatas e, mesmo, grandes políticos, que contrabalançavam os vícios culturais da nação. Por mais que as mazelas existissem, mesmo nas classes altas, entre as pessoas havia aquele conceito comum de honestidade, inteligência e responsabilidade que fazia discernir as elites autênticas da massa. Ou mesmo das más elites.
Qualquer pessoa estudiosa sabe que onde houver sociedades políticas sempre haverá lideranças e elites. A hierarquia é o princípio básico da organização social. Todavia, a democracia moderna inventou dois perigosos mitos: a idéia de soberania popular, como panacéia pronta para os males sociais; e a demonização das elites como causa de todas as moléstias do sistema democrático. Sem a menor percepção, a exaltação da soberania popular, em sua escala absoluta, gradualmente, acabou por esvaziar a sociedade política dos critérios de organização e representatividade. Primeiro, porque uma sociedade política massificada na figura direta do voto popular, por si só, é inviável. E segundo, porque uma democracia sem os critérios legais de representatividade cria um vazio do poder. Se as elites políticas não governam, quem governa? É o povo? Ora, o povo é um conjunto de milhões de opiniões, ânimos e idéias difusas, sem qualquer quesito de ordem. Como o “povo” pode governar se não existe nem a idéia institucional de governo e mesmo um consenso? Ademais, se a idéia de um governo direto quisesse ser viável, na criação de assembléias públicas, a sociedade viveria no pior dos despotismos, já que não haveria nenhuma garantia de estabilidade política e mesmo a defesa das minorias destoantes. Se as decisões políticas, quaisquer que sejam, são frutos da soberania absoluta do povo, é possível legislar sobre qualquer coisa, por mais absurdas que sejam as leis. Se os critérios constitucionais não existem para limitar as exigências mais incoerentes da massa, qualquer situação política pode ser legitimada. Na prática, é o caos. Não é mera coincidência que a anarquia reinante das democracias diretas acaba levando nações a ditaduras. É fácil manipular uma massa sem coesão e usar de suas incertezas para impor qualquer critério político de ordem. Uma massa amorfa de pessoas é menos poderosa do que um grupo partidário bem organizado. E no meio do caos político, quem tende a prevalecer, muitas vezes, são os elementos mais demagógicos e mal intencionados.
Dentro da ausência da idéia de representatividade, a depreciação dos conceitos das elites e mesmo o ódio patológico pela idéia de aristocracias, não somente destruiu o sentido de responsabilidade das lideranças políticas, como fez sumir, senão tornar secreto, o mando das elites. Somando a este fato, há um terceiro perigo aí: se o voto democrático é o voto da massa, e não do cidadão esclarecido e independente, logo, a média comum da mediocridade vai ter um peso maior do que as opiniões esclarecidas. Se os eleitores são medíocres e desprezam as distinções, logo, vão eleger líderes também medíocres.
Se as elites, aparentemente, saíram de cena, enquanto inspirações dos melhores, ficou a ralé para governar as democracias. Hannah Arendt foi feliz quando definiu o que é a ralé: os seres mais desqualificados e moralmente inferiores, os resíduos de todas as classes sociais. O espírito elitista, tal como o espírito da ralé, existe em todos os grupos da sociedade. E na falta de referências éticas e morais aristocráticas, que poderia conter os avanços da nivelação absoluta dos conceitos igualitários, os mais vis se elegem. A destruição do discernimento das elites no povo gerou uma pseudo-elite, uma caricatura dela. E o mito supremo das massas, como coordenadoras da política, elevou a ralé como elite, como deu plenos poderes a ela para sonhar com uma tirania sem precedentes na história. Um dos aspectos do regime totalitário é a ralé transformada em elite. A ascensão de Hitler ou Mussolini ao poder, pelo voto democrático, como a de alguns tiranetes latino-americanos populistas, é o preço que a democracia moderna nos dá, quando revoga os conceitos elitistas e aristocráticos na sociedade.
Paradoxalmente, as únicas democracias realmente estáveis são aquelas, precisamente, onde os valores aristocráticos e elitistas contiveram os abusos do conceito implicitamente revolucionário do igualitarismo moderno. São as nações anglo-saxônicas, como os Eua e a Inglaterra. A particularidade dessas nações democráticas é que criaram sociedades igualitárias, sem abandonar os conceitos e valores distintos que depuram as más elites das escolhas do povo. Os valores tradicionais da aristocracia inglesa foram o contraponto do processo revolucionário que poderia minar as bases do parlamentarismo e da instituição monárquica do país. E a nação norte-americana soube conciliar os valores igualitários de sua república, criando um sistema de pesos e contrapesos que limitavam a soberania popular, na medida em que o poder era fragmentário, dividido; ao mesmo tempo, a sociedade preconizava uma ética individualista e meritocrática, que no final, acabou por formalizar novas aristocracias políticas. As instituições anglo-saxônicas conseguiram preconizar a ascensão de novos grupos sociais meritocráticos, sem destruir as velhas idéias e grupos elitistas que consagraram as referências morais do povo. Daí a entender, em parte, o porquê do sistema norte-americano e, mesmo o inglês, inviabilizar qualquer grupo ou partido populista de massa. O epíteto da soberania popular nasceu limitado por uma escala de valores que transcende a comunidade e a orienta, no sentido das boas elites. A democracia, paradoxalmente, só sobrevive se compactuar com valores não-democráticos.
No discurso comum brasileiro, o ódio às elites tem aquelas sementes do pensamento revolucionário que vão destruir a democracia. Hoje em dia, as elites temem ser chamadas de elites. Na pior das hipóteses, as lideranças se ocultam como tais, enquanto não se assumem no âmago de seus deveres, elogiando ou aderindo a estupidez da massa. É como se cada indivíduo que devesse liderar esta nação quisesse ser a própria massa, o próprio lugar-comum. A exaltação da mediocridade passa por virtude. E como as distinções são formalmente mal vistas ou criminalizadas, a ralé ascende socialmente e é vista como exemplo para todo o povo. E neste circulo vicioso, as pessoas talentosas, que poderiam representar bem o papel das boas elites, são alijadas do processo político e cultural, senão marginalizadas. É por isso que a corrupção daqueles que se parecem ótimos, soa péssima. Pois o que há de socialmente pior se torna exemplo, e o mais baixo da escala social nem haverá como se inspirar.
4 comentários:
Texto simples, sem a sofisticação lingüística comum nos textos do Conde. Mas mesmo assimm um texto auto-explicativo. Praticamente o texto fala por si só.
Apenas dois comentários:
Primeiro. A exposição da verdadeira definição de elite que o Conde escreveu aqui, foge totalmente daquele lugar-comum que a esquerda tanto alardeia, ou seja, o de que elite é uma classe econômica(ricos e classe média). Pertencer à elite ( a verdadeira elite) é muito mais que deter algum poder, seja ele, econômico ou político, é ser alguém em cuja figura pessoal outras pessoas se espelham e admiram, pois identificam nessas pessoa algo edificante e salutar do ponto de vista dos valores morais e outros valores. É o conceito de aristocracia, ou seja: o das melhores pessoas dado o seu destaque na sociedade.
Segundo. O termo elite foi tão vilipendiado ao longo dessas décadas, que hoje em dia, alguém que pertença à elite, simplesmente tem vergonha de dizer isso, e pior, em nome do pseudo-igualitarismo pregado pela esquerda, para não ser marginalizado de vez da sociedade, o sujeito vira refém dentro do jargão politicamente correto da esquerda. É a elite negando a si mesma. Quando dentro de uma sociedade, os melhores homens se nivelam aos piores em nome de uma falsa igualdade, é sinal que essa sociedade já está tão corrompida moralmente de tal forma que esse processo de desmoralização seja irreversível, mesmo que ainda exista gente valorosa nesta sociedade.
Foi um dos melhores textos já escritos. De uma honestidade intelectual capaz de fazer professores fujões de Orkut terem vergonha de votar no PT.
Uma das ,senão a maior vantagem da CPMF é que neste exemplo de "quase-sonegação",o corruptor não tem como esvapar da contribuição.O imposto mais equânime que apareceu.
Uma das ,senão a maior vantagem da CPMF é que neste exemplo de "quase-sonegação",o corruptor não tem como esvapar da contribuição.O imposto mais equânime que apareceu.
Conde-O corruptor aí é o governo, já que se apropria do povo, pra sustentar petralhas vagabundos no poder. . .é o imposto mais filha da puta, pq pune quem é poupador. Coisa de petralhinha cujo nascimento foi pela bunda da mãe vadia.
Cabe ressaltar que dentre os 20 paises mais desenvolvidos do mundo 10 deles são monarquias. A estas monarquias está anexado sem duvidas o vies aristocratico!
Quanto a elite isso me lembrou a independencia do Haiti. Diversos movimentos sociais culpam aquilo q chamam de elite pelo atraso entretanto no Haiti elas foram exterminadas ha um bom tempo. La apos a independencia reinou aquilo que o conde definiu bem, o caos total gerado pela ausencia de representatividade e liderança!
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