quarta-feira, setembro 05, 2007

Artifícios de algumas mentalidades anticapitalistas. . .

Este artigo foi escrito em 24 de abril de 2003.
Um lugar-comum em quase toda verborragia intelectual nacional, tanto sociológica quanto no jargão economês, é a crença tola de que os serviços públicos são “gratuitos” e os serviços da iniciativa privada são pagos. Tal idéia prenuncia que o Estado deve ser um ente auto-gerador, investido de uma biogênese, criador de si mesmo, possuidor de algum poder místico capaz de produzir, através de uma assombrosa alquimia, ossos em ouro. A ingenuidade deste discurso se coaduna com outro, na crença ilusória da bondade natural do funcionário público e da maldade natural do capitalista. E se a burocracia é a personificação do bem comum (leia-se Estado), o privado, o individual, é eivado de críticas, como se fosse pernicioso tomar iniciativa sem o consentimento ou patrulhamento de algum ente superior.

Grande parte das beldades intelectuais que dita repetitivamente este discurso se esquece de um princípio, tão basilar quanto óbvio em economia, como na vida em geral: a criação de riquezas não é nada gratuita neste mundo! Quando o Estado diz oferecer seus serviços públicos, estes, longe de serem gratuitos, são muito mais caros aos bolsos da sociedade do que a própria iniciativa privada. Se os serviços públicos fossem um primor de gratuidade, veríamos funcionários públicos trabalhando de graça e prestando caridade que nem Madre Tereza de Calcutá. Ao contrário, o funcionário público prima pelo mesmo interesse individual que o capitalista, com diferença de que o primeiro detém a influência do Estado em suas mãos. Em outras palavras, a regra é que todos ajam pelo interesse pessoal, e não existe nenhuma prova de que o Estado possua alguma benevolência virtuosa fora do padrão comum, até porque ele é feito de homens, tão cheios de interesses particulares, tanto quanto qualquer particular. No pior dos casos, a extrema ruindade como regra dos serviços estatais, com a exorbitância de impostos abusivos, mostram que o funcionalismo público não possui nem um pingo de virtude cívica maior, ou melhor, do que qualquer civil comum. O serviço público gratuito é, portanto, um mito.
Se os serviços públicos não são gratuitos, por que eles regularmente são mais caros do que a iniciativa privada? A dedução é muito simples. Na prática, é uma diferença de natureza estrutural. Se a tendência maior de quase todos é a maximização de ganhos e minimização de custos, estes caracteres se desenvolvem desigualmente na esfera do Estado e da iniciativa privada. A iniciativa privada, para lucrar e acrescer seus ganhos, é naturalmente obrigada, por força da livre concorrência e da exigência direta de seus próprios consumidores, a prestar serviços de qualidade e cada vez mais baratos, uma vez que sua produção tende a se adaptar ao poder de compra da população.

A iniciativa privada arrisca sozinha seus capitais, cuja ineficiência é punida com a falência. Não somente ela deve buscar seus ganhos através da competitividade, como os riscos pessoais no qual investe a obriga a ser mais racional na aplicação de recursos. O mercado possui mecanismos salutares e eficientes de exigência de melhores serviços por custos cada vez menores, posto que ele cria uma cadeia natural de circulação de riqueza, através das escolhas de produtos e opções de compra entre os produtores e consumidores.

A burocracia estatal possui os mesmos princípios naturais de busca do melhor e minimização do pior, só que de uma maneira improdutiva e por vezes perniciosa. Se a maximização do lucro capitalista é conseqüência de serviços descentralizados e diretamente prestados à sociedade, dentro de uma escolha livre de compra e venda, o funcionário público, como regra, não possui nenhum interesse ou ganho direto na realização dos serviços públicos. Isto porque os serviços do Estado essencialmente não são lucrativos, além de serem centralizados e monopolísticos. Por outro lado, o funcionário público, ao contrário do capitalista, não está vinculado diretamente ao empreendimento estatal, uma vez que administra o dinheiro dos outros e não assume os riscos e perdas do empreendimento que administra.

Se a burocracia não possui nenhum risco na má administração e nenhum ganho direito na produtividade de seus serviços, o que a burocracia estatal mais maximiza, acima de tudo, é a carreira, mais precisamente, maior influência governamental, seja de ordem administrativa ou mesmo política, dentro da esfera estatal. Essa maximização dos benefícios se revela na medida em que os funcionários públicos criam dentro da burocracia, uma ordem arbitrária de privilégios e um domínio cada vez mais oneroso à iniciativa privada, que paga seus serviços em impostos. Isto gera um encarecimento absurdo dos serviços, uma vez que a riqueza, produzida racionalmente pela sociedade, é desviada para os fins voluntariosos do Estado. O pior de tudo é que o Estado muitas vezes se apropria indevidamente da riqueza dos cidadãos, outorgando-se utilizar o dinheiro em favor deles, mais do que eles mesmos!

A maximização dos lucros da burocracia é o acréscimo maior de privilégios e maior proximidade com o poder, pelo mínimo de prejuízos, que é a obrigação de prestar seus serviços sociais. Se a regra dos cidadãos comuns é a escassez, a regra do Estado é a abundância, porque através de impostos e meios coercitivos da tributação e fisco, a burocracia estatal não paga as perdas que causa, transferindo os custos para os contribuintes e absorvendo os benefícios para si. Esta proeminência gera o mito do Estado auto-gerador, benfeitor de tudo e de todos, prestador de serviços “gratuitos”, posto que é ignorado que a sociedade paga de uma maneira indireta, coercitiva e mais cara, os mesmos serviços que poderiam ser feitos se tivessem nas mãos dos próprios cidadãos. A proeza da burocracia, com a complacência do poder político, consiste em lucrar com o dinheiro alheio sem pagar os riscos que ela gera. A burocracia tem uma particular atração pelas idéias estatizantes e socializantes, visto que quanto maior a predominância governamental, maior seu ganho. E a hostilidade a propriedade privada, rotulada como negativa e má, nada mais é do que a justificativa do Estado cada vez mais se apropriar arbitrariamente dos bens e riquezas dos cidadãos.

Quando a burocracia e o funcionalismo público fazem apologia de estatais supérfluas, como bancos, distribuidoras de energia e água, telefonia, há muitos mais interesses corporativistas e individualistas do que qualquer capitalista maldoso. Os sindicatos, partidos políticos e instituições afins, são instrumentos de tráfico de influência e barganhas junto ao governo. Quando contrariados em seus intentos, fazem greves e chantagens ao poder público, através de lobbyes políticos e sindicatos poderosos e influentes, e toda ladainha do “bem comum” vai para o espaço. O “interesse público” e o “bem comum” são apenas roupagens de interesses particulares muito mais escusos. Adoram exaltar que a “água, energia e telefonia são bens do povo”, embora a maior parte do povo não usufrua nenhum destes serviços. A água é um “bem humano”, apesar dos pobres continuarem sem água, a luz é “serviço essencial”, ainda que a maioria esteja no breu e a telefonia é “setor estratégico”, uma explicação estrategicamente esquisita, quando a maioria do povo, até então, não tinha condições de pagar nem o preço das linhas telefônicas cobrado pelo Estado. No final, o monopólio e os serviços “estratégicos” estatais só tendem a prejudicar a sociedade, com prestações mais caras em favor de funcionários públicos ineptos. De fato, se a gratuidade pública é um mito, não menos mitológico é dizer que no mercado tudo se paga caro. O discurso comum de que o mercado é pago e que o Estado beneficia os pobres pelos serviços públicos é uma verdadeira falácia. Na melhor das hipóteses, as estatais são estratégicas, sim, mas só para o funcionalismo público.

Outro fator tabu, dentro da mentalidade anticapitalista reinante, é a discussão a respeito da privatização das universidades públicas. A burocracia estatal esbraveja pelo absurdo de monopolizar a educação, como se o conhecimento que a educação nos transmite fosse realmente uma concessão pública, e não um dado inerente e natural a todo indivíduo, vindo da família, da cultura e da tradição. Pouco já se discutiu a simples verdade: formar alunos de universidades públicas é mais caro ao contribuinte do que nas universidades privadas! E o pior, os serviços da universidade pública, com algumas exceções, são ruins e extremamente onerosos ao bem público.

Ao contrário do que se pensa, na universidade pública, como em grande parte dos setores estatais, o desperdício é a ordem do dia. Não existe controle suficiente do funcionalismo e a administração é desordenada, inoperante, na confusão de funções e prerrogativas dos funcionários. E os conchavos políticos reinam de tal ordem, que a burocracia, quase como dona do estabelecimento, é capaz de ignorar seus compromissos empregatícios por meros e escusos interesses corporativistas. As paralisações, as greves, as faltas dos professores, os atrasos, os maus atendimentos na universidade pública, por si só geram prejuízos desabonadores. A universidade pública “gratuita” é mais cara aos cidadãos do que uma universidade privada.

O mercado oferece serviços muito mais baratos e melhores, pelos seus mecanismos claros e enxutos de livre competitividade e melhoria gradativa de seus serviços. Na realidade, o mercado em grande parte beneficia muito mais os pobres. Pois é a iniciativa privada que gera riquezas, bens de consumo baratos, empregos e oportunidades cada vez mais acessíveis aos pobres do país, e possibilidades de ascensão social. A iniciativa privada, vilipendiada até a demência neste país, pelos descalabros do poder público orçamentívoro, é o burro de carga e o bode expiatório do funcionalismo público, o verdadeiro escravo do parasitismo estatal. Muito do barateamento e expansão dos serviços atuais de telefonia e do setor elétrico, como, aliás, de muitas outras empresas outrora estatais, deve-se a eficiência da livre iniciativa, que longe de possuir os privilégios do Estado, carrega o ônus de uma burocracia perdulária e ineficiente, que na hipocrisia demagógica do voluntarismo do bem comum, acaba por institucionalizar o mal comum.

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