
Este é mais um novo texto do meu amigo Sérgio Pereira, blogueiro do site www.sp13.blogspot.com . Quis publicá-lo, porque a sua explicação sobre o federalismo norte-americano está muito boa, além de didática e clara aos leitores. Todavia, eu confesso que tenho reservas quanto ao aspecto da sua definição "Estado de Direito", já que o sistema democrático liberal pode prescindir de um sistema federalista (como é o caso da França, de sólida tradição unitária). E por mais simpático que eu seja pelo federalismo político, no entanto, há de se reconhecer que a autonomia política só é possível, quando há estruturas orgânicas e quadros locais para a gerência da coisa pública. Mesmo creio que o Brasil não deixa de ser Estado de Direito por ter um federalismo postiço, embora ele tenha razão em afirmar que a burocratização e o centralismo, dois aspectos perigosos de algumas sociedades tradicionalmente romano-civilistas, sejam fatores que dificultam a consecução das leis e do Estado de Direito. Prejudicam, inclusive, a democracia, já que a centralização do poder é inimiga das liberdades individuais e das autonomias locais. A temática do artigo, por si só, é interessante, pois faz as seguintes comparações de realidades políticas diferenciadas, analisando parâmetros e correlações, entre a realidade política norte-americana e brasileira. O retrato de várias comunidades autônomas unidas em só uma, onde o poder do governante é o mais próximo possível dos governados, como é o caso da democracia norte-americana, é o exemplo clássico de uma grande nação e de uma grande república, um modelo que exemplifica o sucesso da sociedade política anglo-saxônica. Os americanos, sob alguns aspectos, têm muitas coisas a nos ensinar, em matéria de democracia. Enfim, o texto do Sérgio Pereira disserta muito bem sobre isso. É, em suma, um texto muito bem escrito.
Em nenhum país encontra-se uma melhor organização legislativa e jurisprudencial do que nos EUA. Graças ao federalismo e aos fundamentos liberais do Estado americano, os Estados e os municípios gozam de amplíssima autonomia para legislar sobre matérias de direito civil, penal, trabalhista, eleitoral, constitucional etc. Isto faz com que os EUA sejam o supra-sumo do Estado de Direito. Outra característica interessante do direito americano é o caráter consuetudinário de sua estrutura. Lá, as leis são posteriores à evolução dos usos e costumes do povo, ao passo que no Brasil, acontece justamente o inverso, isto é, as leis são elaboradas e o povo é obrigado a se adaptar a elas. Herança ibérica? Muito provavelmente!
Além disso, a Suprema Corte dos EUA possui o assim-chamado poder discricionário, isto é, seus juízes escolhem quais casos julgar e descartam os casos considerados infra-constitucionais, uma realidade bem diferente do direito brasileiro, em que casos como brigas de cachorro vão parar no STF - Supremo Tribunal Federal - e os ministros são obrigados a apreciá-los, como o recente caso da cadela “Pretinha”, ocorrido numa cidadezinha do interior de Minas Gerais.
Outro aspecto interessante do direito americano é a maravilhosa diversidade de legislações, em quase todas as áreas, de Estado para Estado, inclusive na área penal, caracterizada pela adoção ou não da pena de morte, da prisão perpétua, da eutanásia, do aborto, trabalhos forçados, penas alternativas, muitas delas literalmente inventadas pelos juízes, etc. Já no nosso caso, o Brasil é conhecido pela sua própria gente como um país de leis “que pegam” e leis “que não pegam”, justamente por causa do caráter unitário da organização jurídica do Estado brasileiro, em todas as áreas (o qual não combina com um país multicultural e de dimensões territoriais continentais). Nós só usamos, na prática, uma Constituição, a Federal, e só possuímos um Código Civil, um Código Penal, um Código de Trânsito, uma Legislação Eleitoral, um Estatuto para menores de idade, tudo isso para um país que se diz federativo!
Ademais, outra característica irrepreensível da jurisprudência americana é a ausência quase total de impunidade, uma vez que cada Estado julga os seus casos, o que agiliza o judiciário, de acordo com a concepção de crimes estaduais, deixando apenas os crimes considerados federais (como violação de correspondência, por exemplo) para Washington D.C. julgar.
Além disso, todos os Estados americanos têm o seu Senado Estadual, cujos senadores, eleitos para representar os condados, legislam sobre questões macro-estaduais. Algo bem diferente do Brasil, cujas Assembléias Legislativas Estaduais são parlamentos monocamerais e, na prática, inúteis, pois todo o ordenamento jurídico dos Estados e até dos municípios está amarrado ao Congresso Nacional.
Em países federativos, como deveria ser o nosso caso, o Estado de Direito se faz em cada Estado, com a devida concordância das populações diretamente afetadas. Isso sim é que é democracia liberal e não se pode usar a desculpa de que o Estado brasileiro não é federativo nem liberal porque o Brasil é um Estado de Direito Romano, cuja preponderância é da especificação legal escrita. Pois países como Suíça e Alemanha também são Estados de Direito Romano e possuem uma estrutura legislativa e jurisprudencial federativa e consuetudinária, semelhante aos EUA, que são um Estado de Direito Anglo-Saxônico, cuja prevalência é da interpretação à luz dos usos e costumes.
Em suma, o Estado de Direito do Brasil é uma ficção alimentada por nossas autoridades, que dissimulam a respeito dos fundamentos do federalismo e da democracia liberal, fazendo com que tenhamos o Estado acima da Nação, algo imperdoável para uma verdadeira democracia.
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