
Uma grande questão que deve ser colocada, embora muitos a evitem por desconhecimento de causa ou mesmo por ignorar, é o declínio das forças de direita em nosso país. Muito do que se diz sobre a “direita” está muito longe dos ideais em que as várias faces da direita se firmaram como valores, crenças e projetos políticos. Na prática, por tamanha predominância esquerdista que assola o país, talvez a falta de uma direita aguerrida e unida confunda os termos que tanto se coloca em relação ao que, de fato, a direita representa. Não é por acaso que se mistura os valores da direita com partidos de centro-esquerda como o PSDB, dado um exemplo. Ou então, qualquer política liberalizante, ainda que necessariamente isto não represente um programa feito pela direita, e sim pela esquerda, apesar de muito a contragosto. E como não deixaria de ser comum, isto, com a complacência da esquerda militante, a direita acaba sendo confundida como “fascista” ou “nazista”.
Os chamados partidos de “direita”, como o PFL e o PL, muito antes de possuir um projeto direitista, não passam de legendas clientelistas e arcaicas, sem nenhuma força que pudesse mobilizar. Pelo contrário, unem-se ao poder pelo poder, ainda que aparentemente contrários a seus tão alegados princípios, posto que se aliam tanto a Deus como ao diabo.
Uma pergunta poderia ser feita: por que a direita perdeu o poder? Uma característica particular em nossas direitas é sua incapacidade de se adaptar aos novos tempos democráticos. Talvez um fator que contribuiu para isso foi a urbanização e industrialização da sociedade, em que as pessoas em geral são mais exigentes na política, num eleitorado que a velha direita nunca foi motivo de simpatias. Também pudera. Nunca tivemos de fato, uma direita partidária liberal e democrática forte, tal como existem em países de sólida tradição parlamentar.
Nossa compreensão comum de "direita" está entre a decadente oligarquia coronelista, o autoritarismo dirigista, o positivismo nacionalista do exército, o catolicismo, entre o retrógrado e o integralista, ou misturado com um pseudo-liberalismo hostil aos princípios democráticos. Estas aspirações são totalmente conflitantes com a mentalidade atual de uma sociedade urbana, já que seus paradigmas ficaram ultrapassados e desgastados pelo uso. Por outro lado, a tradição direitista liberal mais moderna, dita “clássica” ou de centro-direita, que poderia fazer jus a uma nova mentalidade democrática, nunca foi totalmente forte a ponto de angariar forças políticas. Os liberais e conservadores democratas autênticos nunca tiveram força para estruturar um projeto social alternativo ao histórico autoritarismo patrimonial ou o corporativismo de esquerda. Tais aspirações ficaram resumidas a alguns poucos intelectuais e políticos isolados. E os liberais carregaram o estigma de um passado conturbado da direita.
A direita velhusca e oligárquica perdeu espaço, porque o grosso de seus votos, coletados no meio rural e entre grupos humildes de regiões pobres estão com seus dias contados. O clientelismo patrimonial tão comum ao caráter da direita coronelista está aos poucos desaparecendo do país. O autoritarismo dirigista, que inspirou outros grupos conservadores de direita, em especial em alguns centros urbanos e os militares, na tentativa de modernizar o Brasil por métodos autoritários, também perdeu espaço, uma vez que as sociedades democráticas aparentemente não estão sujeitas ao voluntarismo que renegue a sua participação no cadinho do poder. De fato, é o igualitarismo massificador que domina as mentes das eras democráticas. E as direitas liberais, sejam elas democratas ou conservadoras, inspiradas nos países liberais constitucionais, ainda não conseguiram ocupar o vazio político, ora alguns caindo em nostalgias ao conservadorismo oligárquico, ora não se encontrando como uma contrapartida ao esquerdismo reinante nos meios políticos, intelectuais e acadêmicos.
Mas se em parte, o Brasil saiu nas garras de direitas autoritárias, por outro lado, o país experimenta outro perigo: a proeminência das esquerdas totalitárias. Os velhos vícios que a direita autoritária nos deixou, ou seja, o clientelismo, o nepotismo e o dirigismo, estão sendo reciclados por novos vícios, atribuídos aos grupos de esquerda no país; o corporativismo e a burocracia totalitária e centralizadora. O que aparentemente os meios urbanos aspiram em valores políticos no cerne da esquerda, parecem sublimar velhos despotismos com novas roupagens, ainda que a realidade seja aparentemente mais pluralista. A sociedade cada vez mais urbanizada, democratizada, contudo, não consegue superar certas práticas autoritárias e voluntaristas do poder. Na verdade, o fato de uma sociedade urbana e democrática ser mais exigente ou militante, nem sempre significa dizer que ela seja mais tolerante ou mais liberal. Neste aspecto, talvez o grande perigo seja a inspiração dos novos grupos políticos que hoje dominam o Estado. Quando a sociedade se omite de resguardar a paz, a tolerância e os direitos individuais como os valores mais preciosos da democracia, a tendência é que ela possa se degenerar em tirania. E as inteligentzias urbanas radicais, em seu visível desprezo a tais valores, aspiram uma espécie de poder muito mais ilimitado do que às direitas autoritárias.
Destarte, as esquerdas souberam aproveitar com certo grau de astúcia e oportunidade, naquilo que as direitas mais moderadas e democráticas não conseguiram fazer. Dominaram os centros intelectuais, as cátedras, tornaram-se referências nos centros urbanos, numa crença enganosa de “modernidade”, em contraposição às direitas, sejam elas velhas ou novas. E chegaram a tal ponto de se apropriar de discursos e símbolos atribuídos as direitas liberais e democráticas, como direitos civis e humanos, Estado de Direito e outras liberdades, apesar do sentido ser precisamente o oposto do que é pregado. Nunca foi o forte das esquerdas, em particular, as esquerdas radicais tão militantes em nosso país, a crença em direitos civis, fetiches atribuídos às democracias ditas “burguesas”. Contudo, souberam instrumentalizar toda a linguagem, outrora desprezada, em seu favor, como condição estratégica.
A intelectualidade liberal, munida de uma sofisticação poderosa, nunca foi totalmente organizada o bastante para resistir a tais intentos. Isso se deve em parte ao caráter profundamente individualista de muitos de seus escritores e cronistas, pouco afeitos aos grupos militantes, e com forte senso de independência pessoal. Há algo característico em muitos liberais, que é hostilidade a idéia de grupo, em parte, pela visível aversão que um liberal tem pela perda de sua autonomia intelectual. Não é por acaso que os liberais acabam sendo vozes solitárias no deserto, ainda que bem ajuizadas. Tal conduta pode ser vantajosa por um lado ético. Entretanto, é prejudicial por outra, visto que muitas atribuições para terem força política, precisam de um certo senso de união, ainda que questionável em termos.
A grande curiosidade, porém, é que foram as direitas instruídas do país que patrocinaram a modernidade que não souberam aproveitar em favor de si. Elas foram as empreendedoras da urbanização, do desenvolvimento industrial e da instrução pública do país, além do crescimento econômico. Inclusive, foram as direitas de vocações mais moderadas e mais liberais que conseguiram resguardar o modelo de Estado de Direito democrático, tal qual todos os modelos políticos e econômicos historicamente desprezado pelas esquerdas. Apesar de seus serviços, a direita, exposta a críticas, erros e alguns fundamentos obsoletos, e o desgaste, causado pela proeminência do poder, perdeu espaço político para novos grupos em ascensão. Tal fato em si não foi de todo negativo. Pelo contrário, foi pretensamente positivo, visto que o processo democrático se pauta na pluralidade de opiniões, idéias e diretrizes políticas e rotatividade do poder, ocasião em que a sociedade cobrava mais exigências de novos experimentos políticos.
Se hoje em dia grande parte da população rejeitou facções políticas arcaicas e parasitárias em nome de novos modelos de eficiência a serviço da decência pública e de valores democráticos arraigados, tanto melhor para ela. Todavia, o vácuo de poder deixado por grupos que poderiam fazer contraposição aos caprichos dos ditos “progressistas” e alguns grupos decadentes, em nada contribuíram para a democracia. A falta de um liberalismo que contraponha a velha direita clientelista e autoritária e a nova esquerda corporativista e totalitária, deixou a democracia empobrecida de escolhas mais produtivas. Na pior das hipóteses, a velha tradição estatizante e burocratizada do poder, tão ao gosto das direitas oportunistas e esquerdas radicais, pode ser um empecilho a grandes reformas necessárias ao país, dentro dos caminhos democráticos. Por outro lado, carece às esquerdas militantes, o senso de moralidade pública condizente com a democracia, já que preconizam uma moral utilitária, oportunista e um projeto de poder totalitário. Em outras palavras, o vácuo institucional e político na democracia brasileira é quase total.
Numa época em que é visível o perigo da concentração de poder do Estado e da intervenção cada vez mais arbitrária na vida econômica e política do cidadão comum, um liberalismo democrático que resgatasse os valores do individualismo político e restringisse os abusos de poder das classes governantes e de grupos corporativos, seria de grande valia para a criação de uma direita comprometida com os valores democráticos em nosso país. Reformas nas instituições, onde a diminuição das burocracias estatais e a fé na livre iniciativa e senso de liberdade dos cidadãos fossem incentivados, seriam projetos de força, num emaranhado de preconceitos paternalistas e autoritários tão comuns à direita clientelista e aos ditos “progressistas” de esquerda deste país.
Isto, com o devido respeito às regras do jogo democrático, incluindo o prezo pelas leis, pelas liberdades civis e políticas, pela vida e propriedade dos cidadãos e o respeito pelas instituições e pelas oposições, sejam elas quais sejam. Em suma, a defesa do Estado de Direito democrático e da economia de mercado como baluartes das liberdades individuais, em contraposição ao dirigismo autoritário do Estado e as inclinações totalitárias de grupos radicais. De fato, a boa democracia funciona num saudável e civilizado equilíbrio de forças divergentes, que resolve pacificamente as diferenças e conflitos no âmbito político e social através do voto, da liberdade de pensamento e do debate sincero entre as partes.
Portanto, cabe um grande desafio aos grupos liberais democráticos de centro-direita que defendem a sociedade aberta do país. O Brasil, enfim, chegou nas “eras democráticas” de Tocqueville. O grande desafio é que a democracia seja liberal e não se transforme em totalitária.
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