domingo, novembro 26, 2006

O liberal prático e o socialista autista

Este texto foi escrito no dia 18 de março de 2005 . O que mais me impressionou foram suas análises, no que diz respeito aos liberais e socialistas. Claro, falo do liberalismo, no sentido conservador do termo, que se contrapõe ao "liberal" americano e outras formas pseudo-libertárias. Aqui, faço uma leve comparação entre o discurso e a retórica do socialista e a retórica liberal, e a visível superioridade intelectual e argumentativa do pensamento político e econômico liberal, em relação ao pensamento socialista.
Quando observamos um debate entre um intelectual socialista e um intelectual liberal, temos uma discrepância não somente pela tonalidade do discurso, como pelos aspectos lógicos de cada um. Há realmente um estilo de pensamento e retórica que diverge em gênero, número e grau entre o socialista militante do liberal autêntico, na famosa expressão de Roberto Campos. De fato, para entendermos essas diferenças, devemos compreender primeiro que tipo de raciocínio move um liberal e um socialista.

O liberal médio tem como princípio a liberdade de pensamento e análise. Embasado neste sentido de livre pensar, ele é por natureza um questionador de esquemas mentais constituídos e de sua realidade vigente, já que sua filosofia, é por definição, individualista e em nome disso, preza como regra, sua filosofia de independência pessoal. O liberal, além de ser questionador é um racionalista nato. Ele procura não somente a busca de compreender a realidade pelo seu próprio sentido e bom senso, como também não se intimidar com os conceitos estereotipados de convenções vigentes, uma vez que o livre pensar é a regra.

Por outro lado, o livre pensar na visão liberal tem como meta a busca da verdade. É por isso que a idéia da tolerância, da razão, do bom senso e da capacidade analítica rigorosa é uma das características mais marcantes dos pensadores liberais, sejam eles clássicos ou modernos. Mas as liberdades liberais estão longe de serem anárquicas. Pelo contrário, eles finalizam um verdadeiro decoro ético de uso da liberdade. A liberdade não somente é a capacidade de agir segundo nossa consciência, como o dever moral de assumir responsavelmente aquilo que nós fazemos. A responsabilidade moral pelos atos é um dos princípios que movem o sentido da liberdade, na visão liberal. O homem livre age e assume por si. O homem que age segundo sua liberdade de consciência, defende a busca da verdade, embasada na sua capacidade de observar por si mesmo e pela sua experiência, a natureza dos objetos e realidade mesma. A atitude de independência individual neste contexto, nada tem de subjetivista. Tal ação independente visa simplesmente observar a realidade questionando e se desfazendo de preconceitos preestabelecidos, numa posição de imparcialidade. O individuo, agindo de modo independente e responsável, é o melhor juiz de seus atos e ações.

E o que poderemos afirmar do socialista? Se o liberal preza a busca racional da verdade e da independência pessoal, o socialista preza apenas o uso retórico da verdade. Enquanto o liberal acredita nas virtudes excelsas do individuo como juiz independente das verdades estabelecidas, o socialista crê piamente que as verdades são apenas convenções coletivas, cabendo ao mesmo moldar a coletividade, para a satisfação de suas aspirações ideológicas. Se o liberal, por regra, é racional, o socialista é retórico. Este não implica a tentativa de desvendar a realidade, mas querer fabricá-la e “transformá-la”. O relativismo ideológico e moral do socialista médio é uma tentativa de querer justificar a prevalência de sua idéia sobre as demais, sem prestar contas a realidade. Aliás, o discurso socialista reduz toda dimensão lógica a dogmas e esquemas grupais e classistas. A lógica é arbitrária e reflete um contexto existencial coletivo. É interessante observar que, enquanto o liberal é um individualista que tenta desvendar a realidade objetivamente, o socialista é um subjetivista nato, já que ele nega qualquer forma de conhecimento imparcial. E ele projeta em conceitos grupais, como se o consenso pudesse fabricar o realismo ou irrealismo de uma idéia. É, em suma, um autismo de pensamento. Uma contradição curiosa, pois o socialista, ainda que acusando o liberal de “individualista”, não passa de um pior tipo de individualista, o egocêntrico. O socialista médio apenas quer moldar a realidade objetiva no âmago de seu egocentrismo mórbido.


E eis a tônica do mistério, o liberal parece se preocupar com coisas fundamentalmente práticas e realistas, enquanto o socialista parece discursar numa cegueira estéril de pensamento, embora de maneira rebuscada. É curioso que embora o liberal tenha um discurso mais pragmático e realista, cuja atuação gera resultados válidos, ele apaixone muito menos do que o discurso socialista, cuja retórica é mais apelativa, apesar de vazia de conteúdo e inútil.

Mas sempre foi assim durante dois séculos de história intelectual. O liberal encontra desafios reais e para isso, busca soluções reais, enquanto o socialista cria problemas que não existem para gerar soluções mais absurdas ainda. Se entendermos como uma sociedade liberal constituída e gerando enorme progresso a humanidade no século XIX foi sucumbida pelas falácias do socialismo e de todas as ideologias totalitárias similares, dentre tantas explicações, uma que poderia ser contextualizada é essa: a capacidade retórica do socialismo em relação ao pensamento realista do liberalismo. Para muitos, o socialismo representa uma válvula de escape, uma compensação de insatisfações subjetivas, ressentimentos, complexos e despeitos que podem ser justificados por um discurso pseudo-racional e até progressista. Enquanto o liberalismo promete a realidade possível, o socialismo promete o messiânico céu na Terra.

Fazendo uma leve comparação entre os pensadores liberais e socialistas, há de perceber que uma boa parte da militância socialista nunca foi de boa reputação. Veremos dignidade e honestidade intelectual num Locke, Smith, Ricardo, Böhm-Bawerk, Tocqueville, Acton, Hayek, Popper, Mises, Aron e Roberto Campos. Sempre duvidaremos da honestidade, ou ao menos da credibilidade, de um Proudhon, Marx, Engels, Lênin, Mao, Sartre, Trotsky, Gramsci ou mesmo Emir Sader e Marilena Chauí. Enquanto os primeiros demonstram uma preocupação independente de compreender a realidade, ainda que ferindo suscetibilidades e preconceitos coletivos, os últimos apenas se prestam a cegueira de suas projeções e superstições intelectuais, sem o menor comprometimento com os fatos. Quanto mais os fatos desmentem os socialistas, mais os seus intelectuais se afundam no autismo ideológico.


Curioso é compreender como uma ideologia tão fantasiosa e absurda possa ter sido o baluarte de uma boa parte da classe intelectual. A explicação para isso, em parte, se deve a uma casta intelectual cada vez mais envolvida com a política. A inteligentsia, na crença fanática de uma radical transformação da sociedade, nutre uma insaciável sede de poder. O socialismo torna-se aí uma arma de convencimento em nome de um projeto despótico e planejado, bem ao gosto de uma classe militante, que presume uma sociedade como uma cobaia de uma engenharia social. Este projeto despótico é embelezado numa concepção mítica de um poder paternalista e redentor. Os intelectuais militantes, na mais grosseira vaidade intelectual, querem ser deuses ou paladinos morais. Eles vieram substituir o que antes era a posição dos santos e dos gurus. De fato, o discurso socialista, sendo de grande conteúdo sofistico, é uma luva para um jargão político que mobilize massas ou prometa o paraíso. O socialismo sobrevive de uma estupenda manipulação semântica e simbólica, invertendo as crenças do senso comum. O pior da militância socialista é se apropriar de valores considerados pela sociedade ou pela moral, como justiça, ética ou liberdade, apenas para destruí-los.

Neste ínterim, a conseqüência fática da politização do intelectual é sua completa aversão a honestidade, em nome de convicções facciosas ou tendenciosas. O socialismo, como a completa politização do intelectual militante, não se presta a um discurso honesto, e sim a um artifício de armas para a conquista do poder. Quase toda a literatura socialista praticamente se resume a táticas de tomada violenta e manutenção tirânica do poder. Não é por acaso que uma boa parte da classe intelectual foi omissa, covarde ou mesmo cúmplice dos maiores crimes do século XX. Se personalidades sociopatas como Lênin, Stalin, Trotsky, Mao, Pol Pot e muitos outros tiveram uma certa dose de reverência e admiração da inteligentsia, deva-se a esta classe intelectual socialista, a este baixo ¨clerc¨ da modernidade. E apesar das revelações dos crimes desses ditadores, permanece um culto a personalidade em torno deles, manifesto entre muitos círculos “acadêmicos” ou “letrados”. E graças aos socialistas, tais idolatrias ainda possuem muita força nos meios culturais, intelectuais e universitários, a despeito de seus fracassos políticos.

Por outro lado, parece que o público consome o socialismo para compensar frustrações existenciais, na crença famigerada de forjar um paraíso na Terra. Essa compensação se associa a uma histeria coletiva de uma intelectualidade fanática e uma militância de seguidores.

Na verdade, o socialismo tem um viés de uma idolatria, uma laicização da fé religiosa cristã, numa espécie de seita hermética. Na negação total de valores superiores e crenças transcendentais, o seu culto ao coletivo, ao Estado onipotente, ao Partido redentor e às “forças históricas” impessoais são sublimações de uma nova fé pagã, transformada em religião civil. O socialismo não somente é uma doutrina pseudo-religiosa, como uma crença supersticiosa de uma divinização do poder. O socialismo nega a Deus, mas edifica o poder temporal, elevado à divindade. Negando as crenças espirituais ou mesmo a realidade, os socialistas querem usurpar o lugar de Deus, forjando uma realidade e um ser humano que não existem. E em nome disso, são capazes de destruir toda uma realidade existente. A devoção socialista de seus intelectuais, tanto quanto de um público militante, é o vácuo histórico e moral que a tradição judaico-cristã se isentou em tais consciências. Na recusa de uma tradição milenar, acabam por se tornarem os mais perversos milenaristas. Os déspotas que governaram vários países comunistas foram elevados a novos deuses encarnados, tal como a ideologia elevada à nova fé doutrinária, e o Estado-partido como uma nova igreja. Tais credulices consolam uma massa de seres existencialmente desiludidos, ainda que alguns bem intencionados.

O autismo ideológico não é uma peculiaridade socialista. Contudo, uma boa parte do autismo ideológico do século XX se deveu aos esquemas mentais que os socialistas forjaram como visão de mundo. Se uma boa parte da militância intelectual se tornou indiferente ou mesmo cúmplice dos piores crimes totalitários do século XX, foi precisamente pela crença cega dos socialistas de defenderem as suas mentiras existências. A idéia mesma de que uma ideologia deve prestar contas a uma concepção grupal e fechada de pensamento, levou muitos intelectuais à inversão ética e indiferença moral. Como a ideologia é um instrumento político e de conquista do poder, logo, vale qualquer coisa, qualquer crime, qualquer atrocidade em nome do ideal defendido. Isto implicava inclusive esconder as sujeiras do sistema, quando sua demonstração era desfavorável ao ideal. E a mentira ainda existe, quando uma boa parte dessa classe intelectual, de uma maneira que chega a patologia clinica, cinicamente se autodeclara defensora da justiça, enquanto omite a história de crimes e barbaridades socialistas. Para o socialismo sobreviver como ideologia, os pretensos materialistas da práxis marxista, agora negam a realidade histórica em nome de platônicos ideais! Alegam que o “socialismo real” não era aquilo que idealizaram. É uma somatória de falsidades e desinformação, que só se explicam pelo caráter típico do pensamento socialista, que é seu autismo da realidade.



O preço do autismo socialista foi caro. Custou milhões de vidas, ditaduras sanguinárias, fracassos econômicos devastadores e uma completa destruição cultural das sociedades em que este sistema perdurou. Pelo contrário, as sociedades liberais provaram ser as mais prósperas, mais civilizadas e mais libertárias do que as sociedades socialistas. O discurso fleumático dos liberais mostrou mais coerência do que o discurso apaixonado e vazio dos socialistas. Duas óticas diferentes para resultados diferentes.


O liberalismo é uma consagração de uma tradição intelectual mais valorosa. Ele reflete muitos anseios encontrados na tradição religiosa do cristianismo e no pensamento grego e romano, em seus aspectos mais humanísticos. Não é por acaso que o movimento liberal nasceu por obra de intelectuais de formação religiosa, preocupados com os caminhos da tolerância, da liberdade política e do bem estar do ser humano. A desconfiança dos poderes temporais deste mundo é herança vinda da filosofia política cristã, em particular, a filosofia cristã medieval. Parte do pressuposto de que o poder, por definição, é sempre passível de corrupção, porque o homem, por natureza, é corruptível. E que qualquer mistificação do poder temporal, alem de ser um sacrilégio e uma idolatria, do ponto de vista religioso cristão, é um caminho perigoso para a mais completa tirania. Isso foi o despotismo socialista, a divinização dos poderes terrenos. Ainda que possuindo um caráter muitas vezes laico, o liberalismo herdou uma tradição política e moral consagrada na religião cristã, na saudável desconfiança dos poderes do mundo. Em outras palavras, o progresso pertence aos liberais e não aos socialistas.


A vitória da economia de mercado e das liberdades políticas das democracias liberais mostrou a diferença entre as duas tradições intelectuais. Enquanto o liberalismo conseguiu, através de conceitos práticos, provar sua eficácia no plano teórico, o socialismo é apenas arremedo de meias verdades, que se renovam para mais novas mentiras. Porém, sempre haverá aqueles que precisam renegar a lógica e a realidade pelos caprichos convenientes das projeções ideológicas. Por mais que o socialismo tenha sido derrotado no plano real das práticas políticas, todavia, seu mito ainda persiste, aos que odeiam as liberdades e precisam projetar idéias escusas, para inventar novas formas de tirana. E nunca podemos subestimar as idéias, pois elas refletem intenções e ímpetos que podem se tornar ações. Intenções podem se tornar atos. O ônus da liberdade é a eterna vigilância.

Leonardo Bruno

2 comentários:

João Emiliano Martins Neto disse...

Muito bom o post amigo Leo.

Anônimo disse...

O "bost" é tão ruim que faltou até argumento para o João babar ovo.