terça-feira, agosto 12, 2008

Desigualdade social e da distribuição de renda: falsas semânticas da justiça.

Certo dia, fui questionado a respeito das “injustiças” do capitalismo, em específico, a chamada “desigualdade social”. O sujeito me perguntou se eu não via nada de errado que alguém tivesse muito, quando outros tinham pouco ou nada. Respondi que não. Primeiro, porque a desigualdade era natural e existia em qualquer lugar do mundo. E segundo, que a “igualdade social”, longe de representar a justiça, é uma falsificação semântica da realidade, um embuste socialista. Ademais, cabe fazer uma advertência: a justiça não é necessariamente igualitária. Dar a quem é devido é respeitar as proporções e diferenças qualitativas e meritocráticas que existe em cada ser humano. Ou seja, até a justiça é desigual.

É curioso pensar que mesmo as pessoas mais refratárias ao socialismo sejam pressionadas por uma semântica perigosa, senão tendenciosa. Como o igualitarismo é a ordem do dia, parece que se tornou um dogma inquestionável, um princípio quase divino, sendo herético contestá-lo. As pessoas acabam sendo induzidas a fazer concessões ao imaginário socialista, sem perceberem que, na verdade, estão sendo induzidos a responder a uma mentira. Se a bobagem da igualdade social nos leva a uma visão turva da realidade, ela sanciona outro projeto, bem mais lunático, chamado “distribuição de renda”. E aí se encontra mais outro vício semântico: “distribuir renda”, por assim dizer, é dar poderes a um órgão central (no caso, o governo) de controlar as rendas alheias e determinar o grau de merecimento de cada um, dentro dos critérios arbitrários do distribuidor. Há uma contradição neste raciocínio: como um sistema pode ser distributivista e concentracionário ao mesmo tempo? Existe algo aí que é contrário à justiça: por que o distribuidor teria poderes de “dividir” o que é dos outros? Por que o Estado teria alguma autoridade moral para determinar o grau de merecimento das rendas de cada um, se o gerenciamento das rendas, por definição, só compete aos seus proprietários? Surpreendente é que uma boa parte das políticas do século XX foi determinada em vistas a essas premissas, visando um projeto utópico de igualdade. E elas ainda contaminam o imaginário cultural, uma vez que, mesmo os seus maiores inimigos temem criticar seus postulados, sob pena de serem mal vistos.

Alguém objetará tal crítica, afirmando que a igualdade é sinônima de justiça. Só que o igualitarista médio não afirma quais são seus critérios. O que convém chamar de “igualdade”, dentro da justiça, não é a nivelação das rendas ou das condições individuais e sociais de cada um e sim a situação de cada indivíduo em viver sob os mesmos padrões da lei. Na verdade, o sentido autêntico da igualdade na justiça só é possível dentro de certos direitos comuns, que podem ser exercidos por todas as pessoas, no âmago de suas capacidades individuais. A vida, a liberdade, a propriedade, a dignidade humana, a sujeição sob as mesmas normas nos contratos e o tratamento imparcial perante os tribunais são alguns dos critérios básicos de uma igualdade justa, dentre outros, porque todos podem, à sua maneira, exercê-los, sem prejuízo no interesse de terceiros (ou na devida proporção destes). Na verdade, por mais que muitos estudiosos do direito tentem ignorar de onde se originam esses pressupostos da justiça, é o direito natural que sanciona a idéia da igualdade jurídica. A vida, a propriedade e a liberdade são direitos naturais, precisamente porque a capacidade de exercer esses direitos são intrínsecos ao ser humano e inerentes à sua natureza.

Todavia, a justiça não se limita apenas aos critérios básicos de direitos naturais a todas as pessoas. Implica outro princípio, o pressuposto de dar a quem é devido, dentro do grau de merecimento e prerrogativa de cada um. Uma coisa liga a outra. A lei garante o exercício de direitos comuns e a disposição individual de alguém postulá-lo. Aliás, cabe fazer uma relação: a justiça é elemento natural da propriedade, já que alguém só pode exigir aquilo que é seu. Abolir o direito natural de propriedade implica abolir a própria justiça. Em comum, todos desfrutam de direitos à vida, a liberdade e à propriedade; porém, a capacidade de postular e manter esses direitos é proporcional às qualidades e méritos de cada um, que são desiguais. As distinções visíveis na sociedade humana, na qualificação de cada pessoa e seus atos, são o que possibilitam fazer os juízos de valor sobre os direitos. Da mesma forma que os ricos podem exigir aquilo que é seu, dentro de seus méritos, só é possível amparar aos pobres reconhecendo as condições de desigualdade que impossibilitam o exercício de direitos mínimos. Neste sentido, justiça não é igualdade, mas equilíbrio.

Se nem toda igualdade é justa, tampouco toda desigualdade o é. A diferença de tratamento legal sem critérios proporcionais que a justifiquem é um ato de injustiça. A negação mesma da igualdade no exercício de certos direitos é um pressuposto que viola a justiça. E a desproporção entre o que é postulado e o que é garantido é outro critério desigual injusto. Particularmente é interessante notar que o igualitarismo, nivelando os diferentes, acaba gerando essa desproporção: os mais meritocráticos são punidos, quando os menos perseverantes são premiados. E mesmo um Estado que invoca a justiça, detendo uma prerrogativa de mando distributivista sobre a sociedade e suas riquezas, implica uma visível desigualdade de poder e uma notória injustiça. Neste caso, os critérios estatais de julgamento não são de merecimento, e sim de vontade do poder público. Neste ponto, o igualitarismo se torna uma falácia, uma crença forçada, fora da realidade e um projeto tirânico de poder.

Entretanto, muito se fala da justiça como um conceito formal, dissociado das relações entre indivíduos e da prerrogativa inata de direitos entre eles. Presume-se que as leis só refletem quesitos socialmente aceitos, tornando-os arbitrários por si só, ao bel prazer das massas ou dos parlamentos. Daí a entender os ataques frontais à propriedade como direito natural e a relativização do direito à vida. Ou mesmo a crítica rasteira contra a desigualdade social, seja de riquezas ou de status, como se houvesse nisso uma ordem injusta. Como a desigualdade é considerada iníqua por si mesma, a justiça é encarnada na figura dos pobres, dos excluídos, dos menos competitivos, como se o mero fato de serem como tais fossem elementos básicos para se exigir mais direitos do que os outros. A revolta igualitária contra as hierarquias e contra as diferenças sociais parte de um mito assombroso de que a própria hierarquia é má, de que as autoridades que comandam são usurpadoras ou de que os bem sucedidos são exploradores. Ou mais, o mito de que a desigualdade é necessariamente usurpadora de direitos. De fato, a revolta igualitária não se limita apenas às diferenças de poder; ela implica também um desprezo real a uma hierarquização de valores necessários à justiça.

Se a desigualdade social é essencialmente odiada, a mitificação da pobreza redentora e igualitária acaba sendo um fim a ser buscado, isentando os pobres e mesmo outros tipos considerados marginalizados dos critérios básicos de justiça. Não é por acaso que todo tipo de grupo social ou político que vive numa filosofia de autocomiseração acaba exigindo regalias em nome de “direitos”, por se crer vítima da sociedade. Dentro de tais exigências “compensatórias”, exigem critérios discriminatórios de regalias, como se os seus interesses estivessem acima de toda uma sociedade. Há uma confusão entre a posição subsidiária do Estado em garantir condições mínimas para que certos direitos sejam protegidos; e alguns privilégios disfarçados sob a égide do igualitarismo. Em particular, os socialistas são mestres nesse tipo de raciocínio distorcido de justiça. Não há como se espantar o porquê do igualitarismo fortalecer a onipotência do Estado. E é perceptível que a ojeriza pela desigualdade social e hierarquias é bastante seletiva: é a desigualdade dentro da sociedade, não do Estado. As hierarquias fragmentárias, limitadas e equilibradas entre indivíduos, classes, grupos e instituições são substituídas pela hierarquia centralizadora e absolutista da burocracia estatal. Na realidade, a justiça, dentro dos tipos socialistas, guarda um sentido de ressentimento, de ódio.

Os movimentos revolucionários dó século XX, antes de serem iníquos, partiam de pressupostos igualitaristas para tomar o poder. Uma boa parte da Alemanha, vitimada pela guerra e pela humilhação, achava que fazia justiça quando promoveu o nazismo, no intuito de punir os inimigos internos e externos da nação. O nacional-socialismo se apresentava igualitário para todos os alemães trabalhadores, já que o sentimento de inferioridade da Alemanha justificava sua vingança e seu orgulho. Os judeus eram a classe capitalista odiosa, que deveria ser dizimada e punida, dentro de um princípio de justiça, monopólio dos nazistas e de seus seguidores. O mesmo princípio se aplicava ao bolchevismo soviético: em nome da igualdade social plena, massacraram-se grupos sociais inteiros para destruir a sociedade de classes. Na prática, o igualitarismo disfarça uma perversa forma de conformismo social, de submissão das massas pelo Estado totalitário. Curiosamente, estas mesmas premissas revolucionárias são seguidas, dentro das nossas democracias, por grupos chamados de "minorias": negros, homossexuais, mulheres, sem-terra, etc.

Neste sentido, causa-me desconfiança a redenção dos excluídos, a “opção preferencial” pelos pobres ou o combate às desigualdades sociais. Mesmo a Igreja Católica, com sua justeza elementar, foi contaminada por um discurso dúbio, que no final das contas, dá a entender o contrário daquilo que ela prega. Daí a CNBB, infiltrada de esquerdistas de batina, defender o projeto revolucionário marxista, como se as culpas fossem de classes, não de indivíduos. Daí a entender o ódio socialista pelas hierarquias, quando na verdade, a sua destruição implica tão somente o absolutismo hierárquico do Estado. O mesmo sentido se dá a redenção dos pobres, como se os mesmos tivessem o respaldo de se esquivarem da justiça. É certo que os pobres merecem cuidados especiais, tal como Nosso Senhor sempre apregoou. Todavia, é contrário à fé cristã e aos princípios elementares da justiça, recusar o sentido de responsabilidade neles. A opção preferencial autêntica da justiça não é pelos pobres, contudo, pelos justos.

“Desigualdade social”, “distribuição de renda”, “igualitarismo”. Uma falsa semântica para manipular os pobres, empobrecer os ricos e destruir os alicerces políticos e morais da sociedade civil e da justiça.

4 comentários:

Anônimo disse...

"“Desigualdade social”, “distribuição de renda”, “igualitarismo”. Uma falsa semântica para manipular os pobres, empobrecer os ricos e destruir os alicerces políticos e morais da sociedade civil e da justiça."


EXCELENTE,como sempre,caro Conde!!!

Um abraço!!!

KIRK

Edson Camargo disse...

Dá-lhe Conde!

Para defender a tal "distribuição de renda" é preciso acreditar que quem produz muito, por alugm motivo, é pior, sob algum aspecto, do que quem produz pouco. E que não é justo que cada um colha do que plantou e somente o que plantou. E que, por isso, devem burocratas e agentes estatais, portadores únicos de uma sabedoria toda superior e particular, dividir o que é produzido de forma "igualitária".

Admitamos, é muita lorota para uma palavra-molotov só. Mas todas estas palavrinhas são assim.

Falar em produção de riquezas - ou melhor! - da produção pessoal de riquezas e recursos, nem pensar! O lance é "fazer o concurso para ter algo estável" e mamar nas tetas da besta estatal até a morte. Eis o 'brazilian dream', já lembrava Paulo Francis.

Por isso, o país está do jeito que está. Por isso as escolas estão se tornado inúteis e meras incubadoras de lênins, stálins e maos... Quem passar a entender essas coisas elementares, vai perceber a derrocada cultural, política e civilizacional que ocorre no Brasil hoje. Daí, pra ser chamado de "fascista" pelos estatólatras e outros idiotas úteis, é um pulo...

Mais um ótimo post, Conde.
Abraço!

João Batista disse...

O socialismo, como mentalidade revolucionária, pode fazer as duas exigências opostas ao mesmo tempo: justiça é igualdade (todos merecem o mesmo, sem diferenças), e justiça é meritocracia (de uns de acordo com sua habilidade, a uns de acordo com sua necessidade, por Karl Marx [http://en.wikipedia.org/wiki/From_each_according_to_his_ability,_to_each_according_to_his_need]). Já que você cobriu a questão da hierarquia e desigualdade absolutas resultantes do Estado centralizado, sobre a meritocracia lembro que o Partido pode fundamentá-la apenas numa petição de princípio circular, baseando-se em premissas falsas, seja na falsificação da realidade, seja numa tese mentirosa.

Anônimo disse...

Como ninguém sabe de nada, vamos divulgar as patifarias dos espertalhões, pois o povo precisa saber de onde vem a miséria, a violência e o mau exemplo.
E perceber, como funciona a política na Brasil!
Pagamos impostos, para ter direito a Educação e Segurança; mas desde o descobrimento do Brasil, somos obrigados a conviver e confiar em gente hipócrita, mentirosa, oportunista e mesquinha, que em pouco, ou nada se importa com a Pátria, ou, com seu semelhante!
Se não fosse desta maneira, há muito seriamos o País mais rico do planeta, em todos os sentidos!
Existem desvios de verbas, que debilita e desacredita a educação estadual e municipal, e os políticos tiram vantagens desta situação; pois, tanto montam escolas, como tomam parte nos lucros de outras, induzindo os que têm melhor poder aquisitivo, a procurar tais escolas particulares! Desta maneira, a maioria da população sem poder aquisitivo, continuara mal formada, e mal informada como sempre foi!
Bom esquema não é mesmo?

E esta mesma formula é usada na área de segurança publica.
Desviam-se verbas da segurança, montam-se, ou apóiam empresas de seguranças particulares! E além de nos explorar com impostos para manterem seus salários principescos, suas mordomias e as varias aposentadorias, ainda superfaturam, desde as construções dos presídios, até os custos de cada preso.

E na área de saúde, os políticos tanto desviam verbas, deixando o povo em desespero em filas de INSS, como aproveitam para fazer sociedades em hospitais e planos de saúde particular, que lhes proporciona mais renda, pois com a saúde abandonada, estão induzindo o cidadão com melhor poder aquisitivo, a pagar plano da saúde particular!
Sem contar que continuam nos cobrando taxas de IPVA, TRU e muitos outros impostos, para construir e melhorar as estradas! Mas acontece que; depois de construir tais estradas com nossos impostos, eles, os políticos as privatizam para se favorecerem, ou favorecer seus amiguinhos, ou seus familiares; e somos obrigados a pagar absurdos, para rodar nas mesmas estradas, que foram construídas com nossos impostos!
E o desfalque, a corrupção, e a injusta distribuição de renda, além de deixar a população sem opção de vida digna, ainda é a maior responsável pelo aumento da criminalidade, da violência e injustiça social!
No final, o pobre é quem mais paga imposto no Brasil; pois paga; e não debita o que gasta, do imposto de renda!

E para aumentar minha revolta, eu ajudei a eleger mais um salvador da pátria, que criticava os corruptos e ladrões, e se dizia defensor de uma justa distribuição de renda! Mas aconteceu; que depois de eleito, tanto ele se tornou milionário, como tornou seus amiguinhos e seus familiares gênios empresários fazendeiros bilionários da noite para o dia! E passou a beber champanhe importado e comer caviar junto com aqueles que ele mesmo antes tanto criticava!
E devido ao interesse, em assumir cargos na ONU, passou a doar o sangue e suor dos trabalhadores e dos oprimidos, até aos países de primeiro mundo.
E com intuito de se perpetuar no poder, usa dinheiro dos cofres públicos para fazer campanha, apoiando uma ex-ladra e assassina para representar a população, e esconder suas imundices e enriquecimentos ilícitos!
Mas como uma pessoa, que exerce vários cargos ao mesmo tempo, todos com salários principescos, pode dizer que defende a justiça social e uma justa distribuição de renda? Quem consegue estar em dois, ou três lugares ao mesmo tempo? É o caso da Dilma, que só da Petrobras, recebe mais de um milhão por ano sem ir ao emprego!
Com tanto desemprego no País, isso é justo?
Por este motivo, meu voto de confiança passou a ser no NULO: DIGITAREI 0000 E confirmarei!
Enquanto poucos ganhem muito, sem fazer nada, muitos estão desempregados, vivendo sem dignidade em currais eleitorais!