No entanto, na consciência popular, ninguém percebe que tais ações implicam uma monstruosa inversão de linguagem e valores, uma completa engenharia social: ela ainda pensa tudo isso com premissas cristãs. Um cidadão comum que adere ao discurso da “justiça social” o faz, não porque compreenda essencialmente as crenças socialistas, e sim por causa de uma cultura cristianizada ancestral, que está impregnada na sua educação e na ordem de valores historicamente consagrados na sociedade. O cristianismo é uma das poucas religiões que preconiza a idéia de igualdade, na dignidade intrínseca de direitos entre os homens. É por intermédio dele que cremos na defesa dos mais fracos contra o abuso de poder dos mais fortes. Só que há uma diferença entre o conceito de justiça cristão e a chamada “justiça social”: a justiça cristã não é um capricho da sociedade, não é um elemento social. Ela provém da Revelação e da ordem natural que o próprio Deus criou no mundo. E mesmo a defesa dos fracos, no cristianismo, nunca foi uma condenação dos fortes e sim uma diretriz moral e ética, no sentido de que a força, a capacidade intelectual e a inteligência implicassem deveres de honestidade e caridade para com seus condidadãos, em vistas de um bem maior. Os fortes, os altivos, os poderosos, devem usar esse poder de modo justo. E os fracos, as mulheres, as crianças e os desamparados devem ser protegidos e amparados por essa força, essa virtú, essa fortuna. Precisa-se acrescentar uma coisa: a força, tal como a fraqueza, é circunstância da vida humana. Ninguém é totalmente forte e auto-suficiente para negar a solidariedade de seu próximo. Até porque o uso indiscriminado da força e do poder é uma forma de destruir o ser humano, já que ele não é essencialmente um bruto, e tampouco Deus.
Todavia, a caridade cristã, obrigação moral e, portanto, voluntária na cabeça de cada pessoa, está sendo substituída pela tal “responsabilidade social”. Percebe-se a ruindade semântica do termo: o cristianismo nos exige apenas a dever de nossa consciência, em amor ao próximo, no sentido da realização de todos; já a “responsabilidade social” implica uma imposição, uma coerção. É como se cada cidadão fosse vítima de uma chantagem ou uma culpa coletiva imposta por seu vizinho ou pela sociedade. Em particular, os empresários são as maiores vítimas dessa nova ideologia. Como eles são inconscientemente responsabilizados por várias mazelas sociais, acabam aderindo a tais cantilenas, para serem bem vistos. O “bom cidadão”, por assim dizer, é um sinônimo de perfeita hipocrisia.
Que dirá então da justiça social? Se a justiça é tão somente um fenômeno social, logo, não existe uma ordem superior que a determine, e sim a vontade da sociedade. Mas ai há um engodo: justiça acaba se confundindo com formalidade legal, e se crer que tudo que é legal for justo, qualquer norma, por mais arbitrária que seja, é também considerada “justa”. A legítima justiça não depende de uma vontade social. Se dependesse disso, os sistemas mais injustos da face da Terra seriam perfeitamente justificados. Daí a entender como a ideologia da “distribuição de renda” se confunde com a idéia da caridade. Uma contradição notória, já que caridade implica ato voluntário, enquanto a distribuição de renda onera uns, em favor de outros, através de uma autoridade abusiva. O princípio básico da justiça nunca foi o igualitarismo, a nivelação por baixo. Pelo contrário, a justiça implica, inclusive, a desigualdade, porque a proporção faz parte dos critérios da eqüilidade. Façamos a seguinte diferença: eqüilidade significa equilíbrio. O símbolo da balança é o exemplo clássico disso. Uma pessoa com mais méritos deve ter mais ganhos do que uma pessoa com menos méritos. Só os totalmente incapazes merecem realmente algum tipo de proteção acima de suas forças, porque lhes carece de potencialidade para o fim de seus benefícios e isso implica fazer jus a suas fraquezas. Mas, nem por isso, podemos onerar os melhores, para beneficiar os piores, pois aí implica a injustiça.
O cristianismo sofre um processo de laicização, que corrompe o entendimento dos seus pressupostos. A adesão incondicionada e quase sacralizada de muitas pessoas ao projeto socialista não carece de má fé. Carece, talvez, de compreensão da doutrina cristã. Alguns até fazem parâmetros comparativos entre o socialismo e o cristianismo. O problema é que tal lógica implica uma deformação, um desconhecimento dos fatos essenciais que os diferenciam e os tornam incompatíveis. Se as crenças socialistas conseguem fazer alguma coisa é parasitar os princípios, dogmas e pressupostos cristãos. O discurso socialista rouba toda a linguagem cristianizada, para inverter seus papéis silogísticos, num mimetismo de expressões retóricas semelhantes, embora as finalidades sejam diferentes. O cidadão honesto e apolítico que acredita na generosidade dos comunistas que “lutam” pelo povo, ou da esquerda “traída” em seus ideais, tão logo quando eles tomam o poder, não pensa como comunista, mas como cristão. Só que ele não consegue estabelecer a diferença entre o cristianismo inserido na cultura, e a linguagem perversa do socialista, que dá outro incremento a expressão dessas mesmas idéias. Visto que, na prática, o materialismo, o relativismo moral, a onipotência do Estado e do coletivo sobre a individualidade da pessoa humana, e outros aspectos odiosos da ideologia socialista, são diametralmente opostos às inclinações cristãs. Todos os meios políticos dos socialistas são completamente contrários aos fins que eles prometem. Eles invertem o conceito da igualdade, da liberdade, da caridade e da justiça para destruí-la. Mesmo o discurso da paz é falso. Não se pode sonhar com a paz, quando o outro promete a guerra. Por mais que o cristianismo nos exija sempre ser manso de coração, ele ainda nos dá o sábio recado de que devemos ser puros com as pombas e sagazes com as serpentes. O discurso retórico socialista, indiretamente roubado do cristianismo, acaba seduzindo pessoas de bem a aderirem a idéias torpes.
Não só a pregação cristã é usurpada. Até o sentido teleológico e messiânico do cristianismo é usurpado. O socialismo promete o paraíso na Terra. Só que esse “paraíso” prometido é a divinização do poder do homem, seja na figura do Estado absolutista ou do “coletivo” arrebanhado pelo Partido único iniciático. E quando os homens começam a se auto-divinizar, é aí que começa a tirania. Não é por acaso que o socialismo teve pessoas como Lênin, Stálin e outros demais ditadores criminosos. O socialismo quer conspirar contra os céus e contra a natureza humana. Quer ser uma ideologia de auto-divinização moral de alguns homens, em nome de todos os homens. Quer criar um fundamento moral e ético de justiça e de humanidade que não existe em lugar algum.
Eis um dos paradoxos de nossa época. O mundo ocidental quer se descristianizar, com o mesmo discurso retórico do cristianismo, só que na boca de seus inimigos. É como diz a Escritura: o demônio é o pai da mentira e veio para roubar, matar e destruir. E o que foi o século XX, com o socialismo? A diferença de princípios é muito clara; o que o pensamento atual nos promete é uma falsa justiça, uma falsa liberdade, uma falsa igualdade, além de uma falsa religião.
2 comentários:
Boas palavras Conde Loppeux,
Parabéns, o texto informa exatamente o que penso, os partidos de esquerda apenas ascendem como os novos ricos, sem a necessidade da criação e do suor dos artistas, dos cientistas e outros, obtêm a riqueza de forma mais baixa possível, e falam no discurso de repartir, redistribuir entre os indivíduos principalmente os excluídos, mas não passa de mentiras e a história é prova disso. A propósito, deveríamos nos aprofundar na repetição, ou dèja-vu, filósofos como Kierkegaard, Marx e outros já emitiram assertivas sobre a “HISTÓRIA SE REPETE”. E, nós aqui, não vamos mais aceitar esta fala vazia, como já o fez OTTO RANK, se afastando do meio intelectual por um excesso não aproveitável de livros falas e bla bla blás, vazias de sentido, por não se atacar de fato o que é essencial, a forma de redistribuição e remuneração dos fatores de produção (salário, alugueres, juros e lucro) se for isto redefinido com um Governo sério, teríamos já alcançado um consenso do que é melhor para os indivíduos e sua satisfação, e melhoria de um povo. Se continuarmos como estamos com LULA encabeçando a possível destruição da classe média, seremos uma potência aos moldes da china, com a exploração do partido em cima das famílias. É o que tenho a disser, não ficou claro por não ter a delicadeza da pena e o intelecto do Conde Loppeux , Norma Braga e um Olavo de Carvalho. Parabéns pelo texto.
Boris
borisiv@ig.com.br
Bravo! Novamente um texto cristalino. Muito bom mesmo. É essa a peta que o Socialismo aplica nos puros de coração. Ele se apropria de um discurso familiar as pessoas de bem e o corrompe. Parecem tratar da mesma coisa, mas como um parasita, o Socialismo/Comunismo só se aproxima para sugar o sangue de sua vítima (Cristianismo, Democracia etc).
Esse belo texto traz de forma didática como ocorre esse processo de aproximação de coisas totalmente opostas. O Diabo é o grande enganador e o Socialismo o seu partido. E não foi a toa que escolheram o vermelho para representar a filial do inferno na Terra.
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