segunda-feira, julho 09, 2007

Desfazendo mitos econômicos: meu funcionário, esse explorador capitalista!

Quando um acadêmico médio reverbera as injustiças do capitalismo, percebe-se em seu discurso um total senso de desproporções. Há um abismo entre o que ele prega e o que realmente ocorre no cotidiano. Os lugares comuns de sua fala são estereótipos maniqueístas, forjados a partir de um imaginário fictício de uma ideologia: o empresário é um explorador malvado e o assalariado é vitima da exploração, que implora ao Estado socialista toda proteção paternal, servil e redentora. A figura do capitalista e, mesmo do assalariado, é fantasiosa. O mito comum alardeado pela militância acadêmica é a de um burguês de cartola, que não faz nada e espera até o final do expediente, sugando o trabalho do empregado. Mal sabem tais indivíduos o quanto é custoso, dispendioso e arriscado abrir uma empresa; que a atividade empresarial só funciona com uma boa administração; e que o capitalista arrisca uma boa parte do seu tempo e recursos, para pagar todos os custos de seu investimento. Ser um capitalista é, acima de tudo, um ofício metódico, sistemático, tedioso, que exige paciência e dedicação. Há empresários que não conhecem férias; outros, mal vêem a família. E uma boa parte desses trabalhadores é o primeiro a entrar e o último a sair da empresa. Sem contar o peso dos impostos, encargos e aborrecimentos que o empresário é capaz de agüentar, tanto do Estado, como de empregados e consumidores. Tudo está na sua mão. Ele sente o peso das responsabilidades de agradar ao consumidor, tanto quanto pagar seus funcionários. E só depois de todo esse esforço, ele consegue lucrar no final do mês.



Porém, a fantasia em torno do conforto do capitalista é só uma parte da coleção de mitos; nem todo empresário vive num mar de rosas e de riquezas. As pequenas e médias empresas familiares sofrem muito pra sobreviverem no mercado. Quase todas elas imploram por consumidores, “Volte sempre”, “obrigado pela preferência”, disputando clientes no tapa. Até porque a classe acadêmica socialista não contabiliza os autônomos, que embora pobres, são também empresários. Um camelô, um vendedor de quinquilharias ou mesmo um marchante é tão negociador e empresário quanto um grande industrial ou dono de uma rede de supermercados. Ha vendedores de bombons, pipoqueiros e outros mascates de rua que contraram pessoas. A diferença básica está tão somente na acumulação de capital e no crescimento da empresa. Daí tira-se outra tolice universitária: a de que as empresas bem sucedidas sempre foram grandes conglomerados econômicos. É como se as empresas tivessem alguma geração espontânea.

Os empresários, em geral, são homens práticos, empíricos. A grande maioria não conhece as teorias dos acadêmicos. Muitos nem fazem idéia de noções básicas de economia ou de seus conceitos. Todavia, a capacidade intuitiva deles de saberem explorar as boas oportunidades e criar perspectivas no deserto é realmente assombrosa. Este, talvez, seja o segredo de qualquer sucesso empresarial. Empreender é a capacidade de analisar oportunidades onde ninguém as vê. Ou melhor, que muitos podem ver, mas poucos são capazes de se arriscar. É aquilo que, pomposamente, alguns economistas chamariam de “expectativas racionais”. O livre mercado funciona assim. . .



A grande maioria das grandes empresas e das multinacionais nasceu de alguma sarjeta de subúrbio. Quem imaginaria, um dia, que a pizzaria Hut ou mesmo a Macdonald´s, no inicio de suas operações, seriam multinacionais? Quem diria que a empresa do Sr. Samuel Klein, um judeu miserável do gueto de Varsóvia, criaria uma grande empresa, através da mera venda de porta em porta a retirantes nordestinos de São Paulo? Por falar em judeus, os semitas, entre os quais, incluem-se os árabes, criaram ricas empresas do nada, através da venda de porta em porta, de casa em casa. Aqui no Pará eram chamados de “prestação”, porque viviam de vendas a prazo de suas quinquilharias. Hoje são famílias ricas, donas de grandes lojas e armarinhos.

Aqui há outro mito que é destruído: a de que as famílias burguesas são aristocráticas. A divisão intransponível entre capitalistas e assalariados, na visão marxista, não somente é fora da realidade, como sua repetição é fraudulenta, para dizer o mínimo. Na verdade, há bem menos diferenças de origem social entre burgueses e proletários. Na prática, qualquer indivíduo pobre pode ser um empresário, se tiver dons para isso. Como também nem sempre é uma grande empreitada de riqueza ser empresário. Um assalariado de uma multinacional, entre os quais, grandes executivos, ganha bem mais do que milhões de empresários no mercado. Isto se for dito que metade da população ativa norte-americana é dona de ações no mercado, sendo assalariadas e capitalistas ao mesmo tempo.


E onde essa mistura se insere na realidade brasileira? Eu vi um exemplo clássico disso na loja da minha mãe. Há um funcionário, que a despeito de sua instrução limitada, tem o dom do empreendimento. Certo dia, teve uma idéia interessante: como era época de eleições, ele conhecia muitos militantes do PT e queria vender as famigeradas estrelinhas vermelhas. Os preços de Belém era proibitivos para revenda e ele pediu uma forma de empréstimo peculiar: meu irmão comprou a tal mercadoria, bem mais barata, na internet, através do cartão de crédito. O funcionário ficou de pagar o valor do cartão somente no dia do vencimento, enquanto venderia o produto por preços mais baratos de mercado. Conseguiu lucrar horrores com os fanáticos petistas. Ele torcia pelo segundo turno das eleições presidenciais, não tanto por morrer de amores por Lula ou Alckmin, e sim pelo interesse do vil metal, comercializando as estrelas. Pecunia non olet, “dinheiro não cheira”, já dizia a máxima romana, e os empreendedores são indiferentes à ideologia. O importante é que paguem. Mesmo que for a corda que vai enforcá-lo, como diria Lênin.


Como um burguês honesto, o funcionário da minha loja capitalizou as rendas e pagou suas contas em dia para meu irmão. Isso é apenas uma parte da história. Com o dinheiro capitalizado das estrelinhas, o funcionário teve outra idéia interessante: mandou fazer bandeiras vermelhas e amarelas; umas, para os correligionários do PT, e outras, para os militantes tucanos do PSDB. Comprou panos vermelhos e amarelos e contratou umas costureiras para fazer o serviço. Feito as bandeiras, vendeu mais ainda, pagou as costureiras e deu uma porcentagem para outros vendedores, que o ajudaram na distribuição do produto. E ainda ficou com o lucro. O mesmo caso ocorreu na época da copa do mundo: percebendo a demanda por bandeiras brasileiras, o funcionário comprava rendas verdes e a amarelas das cores nacionais, encomendava o serviço às costureiras, ora distribuía as bandeiras aos seus sócios, ora os contratava, ora vendia por conta própria, e no final, ficava com lucro. Ou seja, um homem humilde, assalariado, com pouca instrução, consegue entender noções básicas de economia, sem conhecer os meandros teóricos, que muitos acadêmicos são incapazes de realizar. É pior, eles são incapazes de entender.

Às vezes me perguntava onde ficaria a mais-valia, na ladainha lunática dos marxistas, neste caso e em outros? As costureiras foram “espoliadas” pelo funcionário? Os seus sócios foram “roubados”, pois não ficaram com os lucros? O funcionário não empregou trabalho algum para vender as bandeiras. Que dirá então das estrelinhas? Será o funcionário, um burguês ou um proletário? Uma vítima do capitalismo ou um explorador capitalista? Na idéia imbecil de Marx, Engels, e uma boa parte dos teóricos socialistas, o funcionário seria um explorador capitalista malvado, tão malvado quanto seus patrões. Stalin fuzilou muitos camponeses autônomos e confiscou seus pequenos lotes de terra, precisamente por praticarem a mesma coisa que meu funcionário fez. O Partido Comunista o consideraria um kulak, ainda que não tivesse nem onde cair morto, por causa de suas atividades empresariais. Em outras palavras, na visão dos comunistas, gerar empregos é uma forma perversa de exploração, para desespero dos trabalhadores.


Na melhor das hipóteses, ele seria menos criminoso, porque seu lucro seria, aparentemente, pequeno, em comparação aos grandes capitalistas. No entanto, nada mais falsa a lógica da margem de ganho do funcionário: os seus lucros proporcionais são maiores do que muitos investimentos capitalistas de grande porte. Ainda que em termos reais, os grandes empresários ganhem mais, em termos relativos, o funcionário ganha bem mais. Ademais, demonstra-se que o capitalismo, antes de concentrar renda, distribuiu renda. O funcionário assalariado ganhou, as costureiras ganharam, os vendedores ganharam e o consumidor premiou os serviços com seu dinheiro. O comprador da mercadoria também ganhou, pois suas necessidades foram satisfeitas. Este processo ocorre todo dia, e é a explicação óbvia de como o mercado, antes de empobrecer, é o mecanismo mais viável de prosperidade econômica que conhecemos.

O destino de todo capitalista é o crescimento ou a inépcia. Condenar o lucro e o crescimento da empresa é um ato tal de idiotice, somente explicável, pela total alienação de uma classe acadêmica parasitária, incapaz de compreender a realidade. Da mesma forma, a idéia tola, mitológica, irrealista da divisão de classes entre assalariados e patrões não sobrevive num exame mais apurado.

Ser “dono dos meios de produção” não implica vantagens só porque é dono. Visto que “meios de produção” são também mercadorias, bens e formas de capital humano, cujos valores obedecem a utilidade e a demanda. É mais lucrativo ser executivo assalariado de uma empresa multinacional do que ser “dono dos meios de produção” de uma olaria com dois empregados. Há “donos de meios de produção” paupérrimos, como há assalariados riquíssimos. O que diferencia um e outro não é o status social de proprietário, e sim a acumulação de rendas para o conforto de cada um.

A visão marxista dos meios de produção, como elemento necessário de status social e de um valor em si mesmo, provém de uma arcaica visão mercantilista. Seria perfeitamente compreensível para um senhor feudal ou um servo crerem que as terras seriam os seus únicos sustentos, seus “meios de produzir”. A agricultura era a única atividade que conheciam e não viam a terra como mercadoria. Para um nobre, o domínio da terra era sinônimo de status, porque isso lhe dava poderes políticos. E para o camponês, era um meio de subsistência, já que não praticava outro ofício. Curiosamente, os marxistas se alimentam desse fetichismo do proprietário, para sua crítica à sociedade capitalista. E o desprezo médio que o socialista tem pelo mercado, provém desses velhos mitos medievais, a de que o comércio não gera riqueza. Ou de que a troca comercial implica uma perda, um jogo de soma zero.

O marxismo é uma ressurreição de antigas crendices erradas sobre noções econômicas. Ele se insere em outras mitologias ainda mais patéticas do estatismo econômico, como se a propriedade fosse um fim em si mesmo. De onde provêm a idolatria do brasileiro médio por estatais falidas, senão por esse culto mercantilista de uma longínqua propriedade senhorial? Essa mesma crença diz respeito à reforma agrária e aos “latifúndios”, como se possuir grandes extensões de terra fosse sinônimo de riqueza. No interior do Pará não é incomum ver famílias de latifundiários pobres. As terras ficam ociosas por falta de investimentos e, também, por falta de compradores. Ninguém as compra, simplesmente porque ninguém lhes dá valor. Eu conheci um fazendeiro, que virou motivo de piada entre seus parentes, grandes burgueses de Belém, por comprar grandes terras na ilha do Marajó. Um sobrinho assanhado perguntou ao tio: - O senhor quer brincar de jogo de War II? Neste caso, as terras valiam tanto quanto uma fábrica abandonada ou mesmo uma mercadoria fora de validade: ou seja, quase nada!
Ademais, nem todos os empresários são "donos dos meios de produção", se isto for entendido como propriedade privada imóvel. Aqui, a confusão mental marxista entre propriedade e mecanismos de produção de riquezas é ainda mais grave. O funcionário assalariado, quando contrata os serviços das costureiras, é um exemplo notório, porém, há outras situações muito mais complexas. O que caracteriza o empresariado não é possuir propriedades ou indústrias e sim capitalizar e administrar rendas. Um banqueiro que aluga um prédio e capitaliza rendas em poupanças alheias, não possui a propriedade, como o próprio estoque de moedas que administra nem dele é. Um empresário agrícola que arrenda terras, um outro que aluga os materiais de uma fábrica, ou mesmo um dono de lojas, cujos prédios são alugados, todos são capitalistas sem serem "donos dos meios de produção", no chavão marxista. Será preciso lembrar que a marca da coca-cola, como bem imaterial, vale mais do que as propriedades imóveis e ativos da própria empresa? A complexa dinâmica do capitalismo defenestra Marx no lixo das idéias econômicas.

O mundo da economia, dos empresários, dos assalariados e mesmo do capitalismo, não existe na cabeça dos acadêmicos das universidades e centros culturais. É a linguagem do mundo de homens que vivem o dia a dia dos desafios da realidade, contra o mundinho inventado por personalidades fraudulentas, psicóticas, elevadas a pavões emplumados, cuja intenção não é compreender o mundo, mas, transformá-lo. Muitas vezes vivem no conforto do funcionalismo público parasitário, enquanto uma boa parte das rendas são tiradas desses empreendedores caluniados, através de impostos pesadíssimos. Quando eu falo para o meu humilde funcionário algumas noções técnicas de economia, é como se eu falasse a língua dos anjos; ou quem sabe, algumas palavras do pai de santo, num terreiro de macumba. Ele me olha desconfiado e não entende patavina do que digo. Contudo, ele entende mais de economia que muita gente da universidade. Esse meu funcionário, reacionário e explorador capitalista!

Nenhum comentário: