
Parece ser clichê comum a vários discursos encontrados entre intelectuais, militantes de movimentos sociais, a apologia da autoridade governamental como panacéia pronta para resolver “injustiças sociais” e institucionalizar o igualitarismo, seja ele de comportamento, de padrões ou de condutas. Parte-se de um pressuposto que, para se aplicar a justiça ou “corrigir” distorções de uma sociedade, deve haver um poder coercitivo superpoderoso, governado por uma suposta burocracia esclarecida, a fim de modelar o comportamento e a consciência dos indivíduos no sentido hipotético dessa “justiça”. Tais militâncias se crêem donas de alguma verdade iluminada, e exigem para si o direito de ditar os seus critérios particulares de idéias, à revelia da sociedade.
Todavia, o discurso demonstra algumas contradições visíveis: a verdadeira justiça não implica uma outorga de um poder superior clarividente, mas um reconhecimento óbvio daquilo que é merecido, dentro de um princípio de proporcionalidade de esforços individuais. E a igualdade não é uma padronização de condutas ou comportamentos, mas sim um reconhecimento comum de direitos, que se fazem diferenciados, de acordo com os méritos de cada um.
Há uma ligação tênue entre o discurso da justiça e o despotismo mais perverso. Em particular, nos dois últimos séculos de história ocidental, as piores tiranias e os piores ditadores exigiram poderes para si, em nome de encarnar uma autoridade justa e igualitária. Desde a guilhotina dos jacobinos, passando pelas matanças dos regimes comunistas e do extermínio nazista do povo judeu, todos se embasavam num conceito de justiça. Decepa-se a cabeça dos nobres porque eles são intrinsecamente maus e injustos, não são dignos da hipotética e linda sociedade justa e igualitária. Está se punindo judeus porque, além de serem uma raça indigna de se viver, são maldosos capitalistas exploradores do povo alemão. Os massacres na Rússia de Lênin e de Stalin encarnavam a “luta de classes”, em que os iluminados bolcheviques faziam justiça à “exploração dos proletários”, exterminando grupos sociais inteiros considerados desprezíveis porque são maléficos “burgueses”. O vazio retórico da justiça, na exigência cabal do poder é notório: em nome de um suposto discurso de justiça e igualdade, criam-se as mais monstruosas injustiças humanas e a mais gritante desigualdade, na instituição de monstruosos poderes absolutistas terrenos. A justiça, neste caso, não passa de estado caricatural do poder, no qual se escondem ressentimentos e ranços travestidos de moralidade punitiva. Na verdade, a indignação raivosa de tais grupos apenas camufla os sentimentos mais inferiores de ódio, inveja e vaidade, além de uma sede de poder.
A democracia não está isenta desse veneno do poder. Muito pelo contrário, as militâncias e as ideologias totalitárias são vivíssimas em certos setores que deviam combate-las. Em particular, nos meios universitários, intelectuais e educacionais, a idéia mesma de engenharia social, no sentido de moldar e manipular o comportamento humano é algo simplesmente febril, e, em alguns casos, predominante. Sem contar a imprensa, que é cheia de admiradores desse tipo. Não é por acaso que a indigência intelectual comumente encontrada nesses meios, é conseqüência lógica de tais ideologias tresloucadas. O pior é quando eles influenciam, ou mesmo determinam tais políticas na economia, na opinião publica ou mesmo nas leis. Tal situação diz respeito a uma ética distributivista e autoritária do governo, em querer controlar, ditar e determinar privilégios disfarçados por “direitos”. O governo, que devia ser o regulador da justiça, acaba por se tornar o distribuidor de regalias para uns e ônus para outros, como se o senso da justiça fosse uma concessão governamental arbitrária de um rei. Em nome dessa ética, o governo se intitula o paladino de várias atividades da vida social, desde a geração de riqueza, mercado de trabalho, até a educação, violando a liberdade e a igualdade legal entre os indivíduos. E por outro lado, a idéia mesma de “ajustar” as supostas desigualdades sociais pressupõe plenos poderes às burocracias iluminadas de nossas democracias, no aval de buscar as supostas finalidades ditas, “igualitárias”, embora aqui se crie a mais completa desigualdade de mando do poder do Estado sobre o indivíduo.
Um fato particular chama a atenção no congresso, no que diz respeito a uma das mais nefastas interferências na educação deste país: as cotas raciais para negros, índios e para estudantes de escola pública em universidades. Na lógica do governo, a criação de cotas visa diminuir as desigualdades econômicas entre as “raças” e entre os estudantes de escolas públicas, já que na crença do governo, os negros e os alunos de escola pública são pobres vitimas de nossa malvada sociedade desigual e capitalista. Para isso, justifica-se a criação de vagas privilegiadas para eles, em nome de uma suposta proporção de quadros negros e de alunos de escolas públicas na universidade. Por outro lado, alegam as “dividas históricas” da sociedade para com os negros, como é o caso da escravidão e outras mazelas históricas.
O curioso, senão trágico, é que em nome da igualdade de raças ou de classes, os parlamentares vão instituir uma legalidade racista, desigual e perniciosa. Os critérios de mérito, esforço pessoal e provas comuns aos alunos serão invalidados por questões alheias a eles, como raça, classe social ou educação escolar. A burocracia iluminada perverte o sentido da justiça, avaliando questões totalmente alheias ao esforço individual do aluno, discriminando-o por detalhes absurdos. O mais gritante de tudo isso, é que o conceito de justiça é esvaziado de sentido, já que o mérito não depende dos esforços de cada um, mas sim de uma outorga política para classes ou raças privilegiadas. Depende, em suma, de um absolutismo de poder do Estado ou de um grupo de burocratas iluminados, que se presumem julgar o que é justo ou injusto para alguém, seja para um grupo especifico, em detrimento de outros. Mais perverso é instituir um conceito de raça dentro de uma sociedade completamente mestiça e onde essas definições são totalmente evasivas. De fato, a burocracia iluminada, insatisfeita com a descoberta de uma sociedade mestiça, onde as definições raciais são confusas, criou uma comissão especializada em definir quem é racialmente apto a receber os privilégios raciais.
Será coincidência que tais atitudes vindas de uma universidade só foram comuns nas sociedades racistas, tais como a Alemanha Nazista, a segregação racial nos Eua e no apartheid da África do Sul ? Outra demência comum no discurso da burocracia estatal justiceira e iluminada é justificar a legalização racista das cotas, em nome de uma suposta divida histórica ou em nome de uma igualdade racial de quadros na universidade. Aqui se pergunta: divida histórica de quem com quem? Há implícito no discurso histórico das cotas, um ranço odiento contra a população branca, obrigada a aceitar as desigualdades legais, em nome de supostas culpas históricas. A expiação de culpas históricas justificou vários crimes contra grupos étnicos. Os judeus pagaram o preço de uma culpa histórica no passado, por serem os “assassinos de Cristo”, tanto quanto a expressão máxima desse ódio foi o Holocausto, na idéia de que os judeus fossem culpados coletivamente pela ruína do povo alemão.
Não será a mesma expiação de culpas que as cotas raciais querem impor aos brancos? Não é o raciocínio totalitário implícito da militância racista negra, de responsabilizar os brancos de hoje, que nada têm a ver com as tragédias da escravidão e dos males da população negra? Será mera coincidência que tais ideologias são importadas de grupos racistas negros norte-americanos? As justificativas para as cotas de escolas públicas partem de uma presunção estúpida de que só os alunos de escola do governo são pobres e, portanto, os alunos de escola privada, que são supostamente ricos, devem ser prejudicados e punidos. Na prática, o privilégio nada mais é do que uma desforra ressentida contra os supostos “ricos exploradores”, que passaram no vestibular, porque tiveram a educação que os supostos pobres da escola pública não possuíram. Se não bastasse a completa ignorância e despreparo intelectual das pessoas reunidas a criarem e defenderem esse tipo de argumento, já que existem alunos pobres nas escolas privadas, percebe-se a sublimação marxista de ódio às supostas classes ricas. Em outras palavras, o governo, discriminando pessoas não-negras e alunos de escola privada, está instituindo ódio racial e luta de classes.
Por outro lado, a idéia do Estado de realocar e categorizar pessoas por raças ou classes sociais em cargos ou funções, não lembra os regimes totalitários da Rússia Soviética, em que populações inteiras foram deportadas para regiões inóspitas, apenas para agradar ao governo? Agora, o governo, através de preconceitos raciais e sociais, quer ditar quem deve ou não deve exercer determinados cargos ou ocupações, à revelia dos esforços de cada um. Parte-se de uma crença de que os indivíduos são meros peões de tabuleiros moldáveis, manipuláveis aos agrados das burocracias, desejosas em modelar a sociedade de acordo com suas ideologias lunáticas. E que a justiça é mera concessão paternalista do poder.
Os efeitos, naturalmente, serão previsíveis. A educação universitária cairá de qualidade, precisamente porque os piores passarão na frente dos melhores. As escolas privadas, mais eficientes, serão prejudicadas pelas escolas públicas ruins e a tendência é da educação piorar como um todo. O governo, incapaz de melhorar a educação pública, criará uma monumental fraude educacional, empurrando pessoas despreparadas para as universidades e formando profissionais sem a menor competência. E o mais gritante: provavelmente uma legislação racista poderá estimular um ódio racial inexistente entre nossa população. O governo, inculcando a idéia de raça nos critérios de avaliação, gerando segregações e distinções grupais em termos legislativos, institucionais, educacionais, alimentará perversamente este processo.
Tal questão não se limita somente às escolas: há projetos de criar cotas até no mercado de trabalho, impondo distinções raciais entre trabalhadores. Sem contar a criação de escolas exclusivas para negros, subsidiadas por grupos racistas norte-americanos e com sólido incentivo estatal. Mas o governo brasileiro está acima do bem e do mal: ele criou até a famigerada Secretaria de Igualdade Racial, composta apenas por negros!
Porém, a burocracia iluminada, junto com a casta intelectual que a acolhe, não se contenta em determinar privilégios de raça ou de classe. Ela quer o poder econômico também, usurpá-lo de tal maneira, a ponto de controlar o ganha-pão, e para isso mesmo, ditar o comportamento e a alma dos indivíduos. Os projetos de “distribuição de renda”, como a carga tributária pesada que o cidadão comum está pagando, é apenas reflexo dessa classe que, em nome da igualdade, quer ter plenos poderes sobre a sociedade civil. A burocracia estatal faz uma mísera caridade com o dinheiro alheio, dando farelos aos pobres, enquanto concentra um poder político brutal sobre a população, empobrecendo-a como um todo, através de confiscos sistemáticos das suas rendas. Enquanto isso, uma boa parte desse dinheiro que é sugado do contribuinte, está enriquecendo os bolsos das burocracias voluntariosas, que presumindo o cidadão comum tal um idiota, prejulgam-se no direito de ditar como fazer com o seu dinheiro.
Eis o sonho desta nova classe burocrática totalitária que hoje influencia nossas democracias: regulamentar cada passo das vidas do cidadão comum, reduzindo-o a ovelha no pasto. Ela quer controlar o trabalho, os recursos, as idéias, os méritos, a cultura, a educação e as almas de toda uma sociedade. E como diria Dostoievski, são como os demônios, porque ao invés de estruturar a justiça, criam as piores iniqüidades, porque, no fundo, são moralmente perversos. Enfim, vieram pra matar, roubar a destruir.
Conde Loppeux de la Villanueva
16 de março de 2006

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