sábado, fevereiro 16, 2008

A miséria moral do mundo dos excluídos.


Uma das tragédias mais marcantes da nossa época contemporânea, dentre tantas, é a carência completa do sentido básico da justiça. Assisto a um exemplo clássico desse erro gravíssimo num comentário. Em um texto que li a respeito do aborto, um conhecido meu que é professor de direito usou o velho chavão do “Estado laico” para desmerecer previamente os argumentos católicos sobre a defesa da vida. É como se o horizonte moral da humanidade existisse tão somente em vias de uma perspectiva leiga e jurídica, puramente mundana. Respondi que se ele nega qualquer critério de transcendência que legitime o direito, logo, o Estado terá uma espécie de moralidade superior, acima das conjecturas elementares da justiça. Em outras palavras, a “vontade” do Estado será a “justiça”. E aí expus o caso dos judeus massacrados pelo Estado totalitário nazista, cujos criminosos só foram punidos dentro de um princípio de justiça que independe do Estado. Ou seja, as regras do direito internacional, muitas, inspiradas na idéia do direito natural. É certo que um Estado tenha o direito de punir e aplicar a justiça. Mas, se a justiça depende tão somente do Estado e não como um princípio superior que o pré-determine e o oriente, logo, tanto pode valer os critérios do Estado nazista como do Estado democrático, porque ambos são legítimos. A mesma regra se aplicaria ao aborto. Pois o crime só será crime, dentro de uma perspectiva legal, e não ética e moral.

O professor de direito respondeu da seguinte forma: “Por pior que lhe pareça, num Estado laico, sim, as leis estão acima de quaisquer valores religiosos. Não sei o que é "moralidade estatal" e muito menos "moral elementar" que, presumo, é impossível definir. As religiões também costumam tomar seus postulados como verdades absolutas inscritas numa tal consciência universal. Lamento, mas isso é conversa. O que se pode chamar de "moralidade estatal" será sempre, obrigatoriamente, revelado por suas leis e deve espelhar os anseios da sociedade. Isso, claro, se o legislador honrar o mandato recebido. Sua hipótese dos judeus é absurda e não serve nem para fins de argumentação”.

A frase dele revela dois aspectos curiosos: 1) a negação completa de postulados morais absolutos e universais; 2) e como a humanidade carece desses postulados, ela deve definir, ou deixar que alguém o defina, através do poder estatal. Só que essa diretriz, não obedecendo a critérios universais de valor e de justiça, depende tão somente da “vontade do povo” ou da “honra do legislador”. Os “anseios” da sociedade, por assim dizer, devem determinar os conceitos da justiça. Curioso é ele presumir a hipótese dos judeus ser absurda, dentro da lógica que acabou de criar. O nazismo foi escolhido, supostamente, inserido no espelho dos anseios da sociedade alemã, através de eleições livres. Se Hitler “honrou” o mandato recebido, isso é outra questão. Porém, não conste, naquele tempo, que a maioria do povo alemão estivesse insatisfeita com a ditadura. Pelo contrário, a maioria preferiu o bem estar econômico e a segurança estatal paternalista, em detrimento da liberdade individual. No entanto, o Estado nazista destruiu valores caros a uma sociedade, como a vida e a dignidade humana, patrocinando um dos maiores crimes da história. A hipótese do extermínio do povo judeu pode ser absurda, sabendo-se que a “honra” dos políticos e os anseios da sociedade não ajudaram em nada a sorte de seis milhões de pessoas assassinadas? E se o Estado é um fim em si mesmo, na representação tão somente arbitrária desses anseios entre governantes e governados, com que parâmetros se pode julgar o nazismo, se o mesmo professor nega que existam valores universais e absolutos da justiça? A perda total dos parâmetros universais da idéia do justo é uma das pragas que assolam o próprio direito, a política e a modernidade.


Se por um lado, há o conceito puramente estatal de justiça, por outro, há uma deturpação de sua idéia básica. Um dos caracteres disseminados em seu nome provém do mito igualitarista da Revolução Francesa, em particular, do pressuposto de que toda justiça implica nivelar as diferenças. O socialismo radicalizou o igualitarismo, apregoando a destruição completa das desigualdades sociais e mesmo das noções saudáveis de hierarquia na vida política. Aqui há uma inversão moral do sentido da justiça, cuja semântica e o sentido foram radicalmente modificados, tal como é entendido.

Os antigos e os medievais dificilmente conceberiam dessa maneira. Primeiro, porque entendiam dois aspectos reais e universais da justiça: dar a quem é devido para quem é de direito; e a generalidade desse preceito entre semelhantes, dentro de uma relação de igualdade. Mas essa relação de igualdade não implica nivelar os diferentes e os desiguais, e sim imputar uma mesma condição de regras que equilibrem as relações interpessoais. Ou seja, aquilo que se então se denominou chamar “justiça distributiva” e “comutativa”. Essas regras são tão arraigadas na vida das sociedades, tão auto-evidentes na realidade, que é difícil imaginar qualquer pessoa vivendo sem essas condições básicas de conduta. Na verdade, os atributos da justiça são universais e eternos. Ou como diriam os sábios medievais, provém do próprio Deus.

Todavia, a justiça está longe de ser igualitária, tal como o socialismo e a democracia moderna a concebem. O igualitarismo, na expressão moderna, tende a ser injusto, precisamente por negar as diferenças proporcionais aplicáveis aos indivíduos. A justiça, na sua expressão autêntica, não é mera igualdade, e sim equilíbrio, “equilitas” A desigualdade inerente aos indivíduos é também um aspecto primordial da justiça, já que ações merecíveis de recompensa ou mérito são diferentes entre os concidadãos. A hierarquia de valores é imprescindível ao conceito do justo, e isso se reflete na conduta, no papel social e na individualidade mesma das pessoas. Mesmo o aspecto hierárquico das instituições humanas reflete o caráter desses valores. No entanto, a democracia e o socialismo deram ares distributivos da justiça no quesito da riqueza e da posição social, sem compensar a relação individual que há nessa avaliação. Fala-se muito em dividir a riqueza, em dividir os papéis sociais, em dividir os méritos, não em função de um merecimento particular, mas em razão de um atendimento supostamente “social” de dirimir as diferenças. Como se a desigualdade, por si só, fosse injusta. O paradoxo dessa crença é que dá poderes absolutos ao Estado definir o que é “justo”, baseado em escolhas subjetivas de benefícios para alguns, em detrimento de prejuízo para outros. Em outras palavras, o igualitarismo moderno cria noções de justiça e hierarquias sociais perversas e injustas.

Curiosamente, a destruição do conceito real da justiça distributiva deu margem ao abandono da justiça comutativa. É interessante pensar que a dissociação dos critérios de justiça dentro de uma relação de mérito e direito a cada particular ofuscou não somente a sua objetividade, como o reconhecimento comum desta para todos os seus semelhantes. Quando um “ativista social” dedica sua vida a defender somente os pobres, os negros, as mulheres, os gays e os trabalhadores, ainda que a revelia dos ricos, brancos, homens, heteros e empresários, ele nega um dado essencial da justiça, que é a sua universalidade, a relação de igualdade de todos perante a lei. O “socialmente excluído”, por assim dizer, não aceita as diferenças justas que o excluem dos benefícios que não merece usufruir. E, paradoxalmente, a tal “exclusão social” cria benefícios desiguais e injustos, pautados numa suposta qualidade de vítima, e exclui a sociedade desses mesmos direitos. Os militantes do movimento negro, quando defendem as cotas raciais, negam o aspecto básico da justiça comum para os brancos que competem com ele. A mesma regra se aplica às feministas, aos gays, aos assalariados, como se a mera condição de desprivilegiados desse mais direitos e mais atribuições do que o resto da comunidade.

Não há de se espantar quando uma ministra da “igualdade racial” afirma que negros discriminando brancos não é uma forma de racismo; ou quando uma feminista exige regalias diferenciadas de sexo, ainda que seja em nome da igualdade. O que dirá então do movimento homossexual, que tenta policiar idéias alheias e ter o privilégio da palavra e dos comportamentos morais? Em nome de privilégios particulares, estranhos, indevidos, negam-se a todos os indivíduos, os aspectos elementares da justiça: o mérito de distribuir a quem é devido e a igualdade de cada um se sujeitar a mesma regra de seus pares. A exigência moral dos “excluídos” está no mesmo plano de miséria moral da visão de justiça do professor de direito. A “justiça”, neste ponto, é apenas um critério estatal, que atenda as “demandas sociais” da maioria, ainda que a revelia da lógica, da razão e mesmo da realidade que se impõe nas relações humanas. Os critérios do justo e injusto se tornam arbitrários, inconclusivos. Ou na pior das hipóteses, a justiça, como valor absoluto, é ofuscada pelos conchavos grupais. Alguém poderia objetar esse argumento, com a questão de compensar àquelas pessoas que, pelas suas limitações, não poderiam buscar os méritos exigidos pelo que é justo. Porém, essa compensação só pode ser aplicada, quando os indivíduos em questão são incapazes de atingir as obrigações mínimas de compreender as regras elementares da justiça. Este princípio não se aplica aos grupos citados em questão. Não são incapazes como os débeis mentais ou loucos de todo o gênero.

Por mais que seja necessária a criação de leis positivas para a aplicação da justiça, esta independe da gerência do Estado. Independe mesmo da existência do Estado. Até porque nem todas as leis do Estado são justas, como nem todos os atos do governo são sábios. O que faz com que um cidadão se rebele contra uma lei ou um governo injusto, ou mesmo contra um governo criminoso, é precisamente o fato de que a justiça, como atributo eterno, universal, absoluto, está acima dos homens, acima das leis e acima dos meros interesses particulares humanos. A razão, a lógica e a religião já percebia esse caráter superior da justiça. Ela é um aspecto de direito natural, e tal como o bem e o mal, só pertence a Deus. Cabe tão somente ao homem obedecer a esses preceitos. E sabê-los compreender e criar normas jurídicas, em vistas de sua boa razão, para aplicá-los em seu benefício. A moderna “justiça social” dos excluídos é de uma completa indigência moral. O mundinho deles acabou por excluir a própria justiça.

7 comentários:

Anônimo disse...

Parabens! Bate direitinho com o que eu jah pensava sobre a justica. Faltou dissertar sobre o aspecto neutro da justica, que nao posui em si nem bondade nem maldade, e a injustica, que pode ser boa ou ma depenendo a pesoa que a favorece.

Anônimo disse...

E-X-C-E-L-E-N-T-E,caro Conde!!!

KIRK

Anônimo disse...

Permita-me um pergunta ingênua...

Você fala sobre uma "transcendência que legitime o direito", proveniente de Deus.

Mas essas leis transcendentes (mesmo vindas de Deus) teriam que ser interpretadas e promulgadas por uma instituição humana, de qualquer forma, não teriam?

Sendo assim, como se pode ter certeza de que a tal transcendência está assegurada?

Conde Loppeux de la Villanueva disse...

A transcendência só estará assegurada se as pessoas não esquecem os princípios que ordenam o sistema jurídico. Os princípios básicos do conceito de justiça e de direito natural.

Anônimo disse...

E onde Deus entra nesses princípios? Se são esses os princípios que ordenam o sistema jurídico, a justiça pode muito bem depender somente do "Estado laico", não?

Conde Loppeux de la Villanueva disse...

E onde Deus entra nesses princípios? Se são esses os princípios que ordenam o sistema jurídico, a justiça pode muito bem depender somente do "Estado laico", não?

Conde-Teoricamente, o Estado laico deve reger a justiça. Mas não deve ignorar que o conceito mesmo de justiça não depende do que ele legaliza, mas do que ele deve obedecer. A justiça não é um critério arbitrário. O fato de eu falar que Deus determina uma ordem natural de coisas não ameaça a liberdade religiosa ou o Estado laico. Diz tão somente que a ordem da justiça e do direito natural não dependem em si do direito positivo, mas tão somente este obedece aos dois.

Anônimo disse...

Conde, o que é que nós vamos fazer com Constantino? Você visita o blog dele? O idiota não apenas pensa, mas age como se a grande preocupação da vida de Olavo não fosse o Foro de São Paulo nem a esquerdalha restante, mas sim o "economista" Constantino!
Este fedelho sim é que está desesperado! Desesperado por atenção!