Este texto foi escrito em 2002 e publicado na universidade. Pela sua atualidade e pelo seu nível de argumentação, pensei que seria útil republicá-lo na internet.
Dois modos de pensamento foram influências quase que determinantes no século XX: uma foi a ideologia determinista da raça; outra foi a ideologia do determinismo de classe. Herança das idéias pseudo-racionalistas e pseudo-cientificas do século XIX, no escopo histórico e político, tais princípios nortearam os sistemas totalitários mais conhecidos da história, o bolchevismo e o nazi-fascismo. Historicamente, o nacionalismo racista está para as nações, como o corporativismo de classe está para as outras classes que estão fora da cartilha. Em outras palavras, o nacionalismo extremado e racista está para a guerra entre nações, como a luta de classes está para a guerra civil. Embora a nação e a classe sejam contextos aparentemente diferentes em sua estrutura, seus apelos coletivistas são muito semelhantes.
A “nação” no epíteto fascista ou a “raça” no jargão nazista, são tão parecidas na sua idéia de um povo privilegiado sobre a independência dos demais povos, a ponto de subjugá-los sob o domínio de um povo único superior. Como a “classe” é um corpo castiço que prevalecerá sobre os demais, na utopia platônica de um determinismo histórico onde haverá a sociedade sem classes. Se Marx, em seu Manifesto Comunista, dizia que “a historia da sociedade é a historia da luta de classes”, o fascista e o nazista apelavam ao argumento da “luta de nações” ou da “luta de raças” como o pressuposto crucial da história da sociedade. Se há a “luta de classes” ou a “luta de nações” ou “raças” como pressuposto motor da história, por exceção, se presumirá que a destruição de todas as nações, como a destruição de todas as classes, haverá a destruição de todas as diferenças ideológicas e sociais da sociedade. Ou seja, uma sociedade sem classes e sem nações, dominada por um poder único. A conseqüência trágica destas idéias foi a destruição dos valores das liberdades individuais nas nações democráticas e a aniquilação da sociedade pelo Estado totalitário. Com o descrédito do nazi-fascismo, nos terríveis horrores que a Segunda Guerra Mundial deixou notícia, a luta de nações e de raças pereceu, pelo menos ideologicamente. Porém, a intelectualidade militante conseguiu preservar a ideologia mística da luta de classes.
Para os comunistas e socialistas, a concepção de “classe” é rígida, categórica, como se esta entidade pudesse ter vida social personalizada e influência determinante sobre a conduta individual. Os marxistas projetam em algo abstrato e de valoração muitas vezes imprecisa na classe, como se fosse um conceito exato e com aura de afirmação cientifica e histórica inquestionável. Mas tudo veio a calhar em gritante fracasso, ao se perceber que a classe é uma ficção, um papel social, e como tal, pode ser mudado pelo bel prazer de seus próprios integrantes. Na observação de muitos pensadores críticos do marxismo, a classe é movida por indivíduos que possuem interesse e valores comuns e que são reconhecidos em práticas assemelhadas de conduta e identidade social. E embora as motivações do grupo possam ser razoavelmente semelhantes, até seus interesses individuais se diferem na busca de uma causa comum. A classe social, não é, ao contrário dos marxistas, um grupo fechado e unido por interesses econômicos, e sim por um reflexo comum de aptidões, idéias, conceitos, ideologias, credos e muitos outras particularidades, tanto materiais ou abstratas que os vinculam a uma pequena sociedade. Na prática, a classe é uma “pequena sociedade”, onde o individuo cria sua aura de ligações coletivas, embasadas no seu interesse individual. A classe não é algo compacta, fechada. A classe é algo dinâmica, modificável, de acordo com os indivíduos que a compõem e complexa em suas crenças e idéias. O determinismo de classe, (tal como afirmar que é a “consciência social que molda o individuo), é uma das maiores falácias já inventadas pelas inteligentzias de esquerda. Pois é mais que comprovado que o individuo não é produto fatalístico de sua cultura ou de sua classe. É um ser atuante, que age dentro de seu meio, partindo dos pressupostos de sua própria consciência e vontade. Porém, o ideal socialista, ao contrário de seu suposto apelo libertário, esconde na prática, um apelo perigosamente messiânico e despótico. Se a idéia de que o coletivo pode moldar arbitrariamente o individual já é tirânica, a finalidade socialista é mais perversa, nos intentos que busca realizar: o mito de uma sociedade sem classes!!!
Se as classes são reflexos sociais de seus indivíduos e possuem vida autônoma, como uma espécie de pequena sociedade à parte da coletividade, a supressão das classes é a supressão de qualquer vida independente no grupamento social. Em suma, é a repressão mais que violenta da manifestação social do individuo. Não é por acaso que para criar uma sociedade sem classes, sempre haverá um poder centralizado e despótico, um Estado policial, ou eufemisticamente, uma “ditadura do proletariado”, com a destruição de todas as diferenças sociais e individuais autônomas em favor de um poder imperial e absoluto. A conseqüência disso é a tentativa de nivelar todos os indivíduos, destruir todas as suas salutares diferenças, pelo dogma da igualdade. E, por conseguinte, formar massas amorfas, sem personalidade própria, dependente de uma direção única, de um pensamento único.
Os marxistas, percebendo que as premissas econômicas da “consciência de classe” eram muito mais uma indagação artificial do que real, apelaram ao estudo da ideologia e da psicologia de massa como fator motriz de produzir essa falsa “consciência” classista. De fato, Lênin resolveu parcialmente o problema: idealizou o mito de uma vanguarda revolucionária, uma elite de intelectuais iluminados, que produziriam uma “classe revolucionaria” na centralização total do poder através de um partido único. Formado esse partido, este destruiria todas as classes sociais a fim de submetê-los aos desmandos deste mesmo poder unipartidário, na organização militarizada das massas.
O ideólogo do Partido Comunista Italiano, Antonio Gramsci, apregoava a manipulação ideológica através da figura do “intelectual orgânico”, com o intuito de combater e suprimir qualquer diferença ideológica e política independente, a não ser em favor do Partido Comunista. A figura do “intelectual orgânico” é uma militância ideológica camuflada, que conquistando espaços culturais, intelectuais e políticos na sociedade, reproduziria, de forma lenta, gradual e indolor, a “hegemonia”, ou seja, o domínio cultural do senso comum em favor da causa socialista. Gramsci chamava este procedimento de "revolução passiva". Daí a infiltração comunista nas escolas, igrejas, mídia, artes, e quaisquer manifestações do plano da cultura, forjando um consenso em torno das premissas socialistas. Recriando prévia e artificialmente um imaginário cultural, a sociedade estaria mentalmente desarmada e preparada ideologicamente à ascensão de uma ditadura partidária. Gramsci foi além: idealizou uma sociedade como um gigantesco partido, onde o conjunto de valores e idéias da sociedade seria mera reprodução de uma ideologia onipresente e de um partido único, invisível e imperceptível. O “Matrix” não iria tão longe. . .A perversão vai longe: qualquer tipo de idéia contrária a essa “hegemonia” seria anulada pela mutação psicológica e cultural. Gramsci via a sociedade como um gigantesco laboratório psicológico e os indivíduos como cobaias, que imitando reflexos sutis e condicionados, seriam socialistas sem o perceber.
Para fazer uma “revolução socialista” deveria antes fazer uma “revolução cultural”: ou seja, uma grande lavagem cerebral na sociedade como um todo, a fim de aderir por sentido inconsciente, o domínio total do Estado, sob a égide do Partido Comunista. Todavia, para quem crê que a “consciência social molda o indivíduo”, os ideais socialistas caem na cartilha de engenheiros sociais ensandecidos em moldar a natureza humana a sua imagem e semelhança, como se os indivíduos fossem mera natureza omissa a ser esculpida. Ademais, a retórica de Lênin e de Gramsci muda o velho discurso de que os fatores materiais de produção determinam ou condicionam as idéias na sociedade. Se para Marx, “o real cria o ideal”, contraditoriamente, o ideal leninista e gramsciano são uma inversão do marxismo. Não basta mudar os “modos de produção”. Deve-se mudar também os espíritos.
Em outras palavras, Lênin e Gramsci apregoam, tal como Hegel, que “o ideal cria o real”, ou melhor, que a realidade deve se adaptar à ideologia (embora o “real” na concepção de Marx é tão hegeliana, que não passa de uma projeção idealista e falsa do real, tamanha a fuga da realidade). E o mais impressionante e aterrador: para criar a sociedade socialista, os militantes comunistas perceberam que só poderia haver a supressão de todas as classes sociais, se houvesse a supressão de toda manifestação independente e dos indivíduos. Se por um lado, isto significava destruir a liberdade de consciência, por outro, significaria também apagar qualquer crença numa realidade objetiva. A realidade objetiva não existe por si mesma: ela só existe enquanto monopólio de uma conjectura partidária. Os intelectuais marxistas foram elevados a sacerdotes e o Partido, a intérprete da realidade e da história. A aura platônica do marxismo e seu subsidiário, o leninismo, impôs um brutal patrulhamento ideológico, policiando qualquer pensamento e qualquer tipo de conduta autônoma.
A obsessão ideológica chegou a um verdadeiro culto religioso, um dogma inquestionável, sujeitando as manifestações intelectuais da sociedade ao culto unitário do partido. A música, pintura, poesia, arte ou qualquer manifestação intelectual transformaram-se em meras propagandas da ideologia comunista. Para a criação da sociedade comunista, não só se suprimiria as classes, como também os indivíduos, aniquilando suas identidades através de uma imposição de uma ideologia artificialmente produzida, que anulasse a existência autônoma do individuo.
Neste processo, a classe social revolucionária é apenas um instrumento da supressão de outras classes opositoras e da própria classe revolucionária mesma, a fim de instituir uma sociedade livre de quaisquer diferenças sociais. Não é por acaso que muitas vezes o Partido Comunista se utilizou de alianças momentâneas de “classe”, induzindo cada uma a sua auto-destruição mútua, e nestes conflitos artificialmente produzidos, a sua auto-promoção como poder único e irrestrito. O “proletariado” é apenas um meio, como o são os “camponeses”, já que mito da luta de classes, junto com a metodologia de uma pseudo-dialética histórica, levará também a contradições e, conseqüente, a destruição das classes envolvidas. A violência e o radicalismo, tão comuns nos discursos marxistas, como os apelos messiânicos de um poder absoluto, são apenas o reflexo de uma idéia que não se vê julgada pelo plano da realidade. Pelo contrário, o ideal marxista é um principio desprovido de todo realismo e seu apelo materialista é apenas uma roupagem mitificada de romantismo, nos dizeres das “leis” infalíveis do materialismo dialético. Além de serem uma mitificação do próprio materialismo, as suas “leis históricas” são apenas conceitos de metafísica vulgar, com premissas pseudocientíficas de racionalismo mecanicista.
A sociedade sem classes como ideal é a sociedade de massas, onde os indivíduos não existem, são apenas reflexos de um poder absoluto, produtos de um meio que os molda arbitrariamente. E qualquer sinal de vida política, intelectual e econômica independente é anulado, em favor de um ideal político central tirânico e monstruosamente despótico, controlado por uma minoria burocrática ou um ditador pseudo-iluminado, cujo meio é simplesmente aniquilar qualquer aspiração autônoma em nome de um fim inatingível. Lênin, Stálin, Mao Tse Tung, Pol Pot, Fidel Castro, Enver Hoxa e muitos ditadores não são meras coincidências do socialismo “cientifico”, pelo contrário, são os produtos mais acabados do regime: é a ideologia colocada na prática, em toda a sua plenitude real. Em suma, a sociedade sem classes, tal como uma verdadeira e perfeita autocracia, é o maior sonho de um déspota tirano.
A “nação” no epíteto fascista ou a “raça” no jargão nazista, são tão parecidas na sua idéia de um povo privilegiado sobre a independência dos demais povos, a ponto de subjugá-los sob o domínio de um povo único superior. Como a “classe” é um corpo castiço que prevalecerá sobre os demais, na utopia platônica de um determinismo histórico onde haverá a sociedade sem classes. Se Marx, em seu Manifesto Comunista, dizia que “a historia da sociedade é a historia da luta de classes”, o fascista e o nazista apelavam ao argumento da “luta de nações” ou da “luta de raças” como o pressuposto crucial da história da sociedade. Se há a “luta de classes” ou a “luta de nações” ou “raças” como pressuposto motor da história, por exceção, se presumirá que a destruição de todas as nações, como a destruição de todas as classes, haverá a destruição de todas as diferenças ideológicas e sociais da sociedade. Ou seja, uma sociedade sem classes e sem nações, dominada por um poder único. A conseqüência trágica destas idéias foi a destruição dos valores das liberdades individuais nas nações democráticas e a aniquilação da sociedade pelo Estado totalitário. Com o descrédito do nazi-fascismo, nos terríveis horrores que a Segunda Guerra Mundial deixou notícia, a luta de nações e de raças pereceu, pelo menos ideologicamente. Porém, a intelectualidade militante conseguiu preservar a ideologia mística da luta de classes.
Para os comunistas e socialistas, a concepção de “classe” é rígida, categórica, como se esta entidade pudesse ter vida social personalizada e influência determinante sobre a conduta individual. Os marxistas projetam em algo abstrato e de valoração muitas vezes imprecisa na classe, como se fosse um conceito exato e com aura de afirmação cientifica e histórica inquestionável. Mas tudo veio a calhar em gritante fracasso, ao se perceber que a classe é uma ficção, um papel social, e como tal, pode ser mudado pelo bel prazer de seus próprios integrantes. Na observação de muitos pensadores críticos do marxismo, a classe é movida por indivíduos que possuem interesse e valores comuns e que são reconhecidos em práticas assemelhadas de conduta e identidade social. E embora as motivações do grupo possam ser razoavelmente semelhantes, até seus interesses individuais se diferem na busca de uma causa comum. A classe social, não é, ao contrário dos marxistas, um grupo fechado e unido por interesses econômicos, e sim por um reflexo comum de aptidões, idéias, conceitos, ideologias, credos e muitos outras particularidades, tanto materiais ou abstratas que os vinculam a uma pequena sociedade. Na prática, a classe é uma “pequena sociedade”, onde o individuo cria sua aura de ligações coletivas, embasadas no seu interesse individual. A classe não é algo compacta, fechada. A classe é algo dinâmica, modificável, de acordo com os indivíduos que a compõem e complexa em suas crenças e idéias. O determinismo de classe, (tal como afirmar que é a “consciência social que molda o individuo), é uma das maiores falácias já inventadas pelas inteligentzias de esquerda. Pois é mais que comprovado que o individuo não é produto fatalístico de sua cultura ou de sua classe. É um ser atuante, que age dentro de seu meio, partindo dos pressupostos de sua própria consciência e vontade. Porém, o ideal socialista, ao contrário de seu suposto apelo libertário, esconde na prática, um apelo perigosamente messiânico e despótico. Se a idéia de que o coletivo pode moldar arbitrariamente o individual já é tirânica, a finalidade socialista é mais perversa, nos intentos que busca realizar: o mito de uma sociedade sem classes!!!
Se as classes são reflexos sociais de seus indivíduos e possuem vida autônoma, como uma espécie de pequena sociedade à parte da coletividade, a supressão das classes é a supressão de qualquer vida independente no grupamento social. Em suma, é a repressão mais que violenta da manifestação social do individuo. Não é por acaso que para criar uma sociedade sem classes, sempre haverá um poder centralizado e despótico, um Estado policial, ou eufemisticamente, uma “ditadura do proletariado”, com a destruição de todas as diferenças sociais e individuais autônomas em favor de um poder imperial e absoluto. A conseqüência disso é a tentativa de nivelar todos os indivíduos, destruir todas as suas salutares diferenças, pelo dogma da igualdade. E, por conseguinte, formar massas amorfas, sem personalidade própria, dependente de uma direção única, de um pensamento único.
Os marxistas, percebendo que as premissas econômicas da “consciência de classe” eram muito mais uma indagação artificial do que real, apelaram ao estudo da ideologia e da psicologia de massa como fator motriz de produzir essa falsa “consciência” classista. De fato, Lênin resolveu parcialmente o problema: idealizou o mito de uma vanguarda revolucionária, uma elite de intelectuais iluminados, que produziriam uma “classe revolucionaria” na centralização total do poder através de um partido único. Formado esse partido, este destruiria todas as classes sociais a fim de submetê-los aos desmandos deste mesmo poder unipartidário, na organização militarizada das massas.
O ideólogo do Partido Comunista Italiano, Antonio Gramsci, apregoava a manipulação ideológica através da figura do “intelectual orgânico”, com o intuito de combater e suprimir qualquer diferença ideológica e política independente, a não ser em favor do Partido Comunista. A figura do “intelectual orgânico” é uma militância ideológica camuflada, que conquistando espaços culturais, intelectuais e políticos na sociedade, reproduziria, de forma lenta, gradual e indolor, a “hegemonia”, ou seja, o domínio cultural do senso comum em favor da causa socialista. Gramsci chamava este procedimento de "revolução passiva". Daí a infiltração comunista nas escolas, igrejas, mídia, artes, e quaisquer manifestações do plano da cultura, forjando um consenso em torno das premissas socialistas. Recriando prévia e artificialmente um imaginário cultural, a sociedade estaria mentalmente desarmada e preparada ideologicamente à ascensão de uma ditadura partidária. Gramsci foi além: idealizou uma sociedade como um gigantesco partido, onde o conjunto de valores e idéias da sociedade seria mera reprodução de uma ideologia onipresente e de um partido único, invisível e imperceptível. O “Matrix” não iria tão longe. . .A perversão vai longe: qualquer tipo de idéia contrária a essa “hegemonia” seria anulada pela mutação psicológica e cultural. Gramsci via a sociedade como um gigantesco laboratório psicológico e os indivíduos como cobaias, que imitando reflexos sutis e condicionados, seriam socialistas sem o perceber.
Para fazer uma “revolução socialista” deveria antes fazer uma “revolução cultural”: ou seja, uma grande lavagem cerebral na sociedade como um todo, a fim de aderir por sentido inconsciente, o domínio total do Estado, sob a égide do Partido Comunista. Todavia, para quem crê que a “consciência social molda o indivíduo”, os ideais socialistas caem na cartilha de engenheiros sociais ensandecidos em moldar a natureza humana a sua imagem e semelhança, como se os indivíduos fossem mera natureza omissa a ser esculpida. Ademais, a retórica de Lênin e de Gramsci muda o velho discurso de que os fatores materiais de produção determinam ou condicionam as idéias na sociedade. Se para Marx, “o real cria o ideal”, contraditoriamente, o ideal leninista e gramsciano são uma inversão do marxismo. Não basta mudar os “modos de produção”. Deve-se mudar também os espíritos.
Em outras palavras, Lênin e Gramsci apregoam, tal como Hegel, que “o ideal cria o real”, ou melhor, que a realidade deve se adaptar à ideologia (embora o “real” na concepção de Marx é tão hegeliana, que não passa de uma projeção idealista e falsa do real, tamanha a fuga da realidade). E o mais impressionante e aterrador: para criar a sociedade socialista, os militantes comunistas perceberam que só poderia haver a supressão de todas as classes sociais, se houvesse a supressão de toda manifestação independente e dos indivíduos. Se por um lado, isto significava destruir a liberdade de consciência, por outro, significaria também apagar qualquer crença numa realidade objetiva. A realidade objetiva não existe por si mesma: ela só existe enquanto monopólio de uma conjectura partidária. Os intelectuais marxistas foram elevados a sacerdotes e o Partido, a intérprete da realidade e da história. A aura platônica do marxismo e seu subsidiário, o leninismo, impôs um brutal patrulhamento ideológico, policiando qualquer pensamento e qualquer tipo de conduta autônoma.
A obsessão ideológica chegou a um verdadeiro culto religioso, um dogma inquestionável, sujeitando as manifestações intelectuais da sociedade ao culto unitário do partido. A música, pintura, poesia, arte ou qualquer manifestação intelectual transformaram-se em meras propagandas da ideologia comunista. Para a criação da sociedade comunista, não só se suprimiria as classes, como também os indivíduos, aniquilando suas identidades através de uma imposição de uma ideologia artificialmente produzida, que anulasse a existência autônoma do individuo.
Neste processo, a classe social revolucionária é apenas um instrumento da supressão de outras classes opositoras e da própria classe revolucionária mesma, a fim de instituir uma sociedade livre de quaisquer diferenças sociais. Não é por acaso que muitas vezes o Partido Comunista se utilizou de alianças momentâneas de “classe”, induzindo cada uma a sua auto-destruição mútua, e nestes conflitos artificialmente produzidos, a sua auto-promoção como poder único e irrestrito. O “proletariado” é apenas um meio, como o são os “camponeses”, já que mito da luta de classes, junto com a metodologia de uma pseudo-dialética histórica, levará também a contradições e, conseqüente, a destruição das classes envolvidas. A violência e o radicalismo, tão comuns nos discursos marxistas, como os apelos messiânicos de um poder absoluto, são apenas o reflexo de uma idéia que não se vê julgada pelo plano da realidade. Pelo contrário, o ideal marxista é um principio desprovido de todo realismo e seu apelo materialista é apenas uma roupagem mitificada de romantismo, nos dizeres das “leis” infalíveis do materialismo dialético. Além de serem uma mitificação do próprio materialismo, as suas “leis históricas” são apenas conceitos de metafísica vulgar, com premissas pseudocientíficas de racionalismo mecanicista.
A sociedade sem classes como ideal é a sociedade de massas, onde os indivíduos não existem, são apenas reflexos de um poder absoluto, produtos de um meio que os molda arbitrariamente. E qualquer sinal de vida política, intelectual e econômica independente é anulado, em favor de um ideal político central tirânico e monstruosamente despótico, controlado por uma minoria burocrática ou um ditador pseudo-iluminado, cujo meio é simplesmente aniquilar qualquer aspiração autônoma em nome de um fim inatingível. Lênin, Stálin, Mao Tse Tung, Pol Pot, Fidel Castro, Enver Hoxa e muitos ditadores não são meras coincidências do socialismo “cientifico”, pelo contrário, são os produtos mais acabados do regime: é a ideologia colocada na prática, em toda a sua plenitude real. Em suma, a sociedade sem classes, tal como uma verdadeira e perfeita autocracia, é o maior sonho de um déspota tirano.
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