quarta-feira, janeiro 10, 2007

A autoridade moral do Estado e a desgraça da livre iniciativa!

Um discurso muito comum na panfletagem média de grande parte dos intelectuais estatizantes e de esquerda é a pretensa crença moralizadora do Estado, contra a suposta “corrupção” da iniciativa privada, esta condenada pelo seu “individualismo” e “apego mesquinho ao lucro”. O discurso condenatório do “lucro” privado pressupõe uma crença moral sublimada, de que o Estado ou poder político detém o monopólio da honestidade, da decência e da verdade, enquanto o ente privado é quase que eivado de desconfianças, senão de censura, como se a livre iniciativa fosse uma quebra de um mítico espírito de ordem coletiva.


Se a iniciativa privada é condenada pelo desejo do “lucro”, por preconizar a “miséria” alheia em favor de seus interesses, é muito ingênuo, senão estranho privilegiar o poder político como sendo contrário à premissa da “mesquinhez” ou do “lucro”, tão rotulada contra a iniciativa privada. Como já foi muito avaliado, parece que os latinos , em geral, culturalmente possuem uma reverência messiânica pelo poder político, a tal ponto de sentir dependência dele. Atribui-se tanta bondade ao poder político, como há séculos atrás um rei outorgava suas “graças”, seus decretos, suas lettres de cachet, sinônimos de status de um poder absoluto. O socialismo fortaleceu muito mais esta crença mitológica, na megalomania do Estado paternalista em função de uma caridade usurpadora da liberdade, tão usurpadora como as graças de um rei. A única diferença de um e de outro, é que se o rei era tirano “em nome de Deus”, o socialista é despótico “em nome do povo”. Mas o germe do socialismo, como de qualquer crença estatista, em países com enorme tradição autoritária e patrimonialista, é um retrato da desconfiança que a sociedade tem de si mesma. Esta, quando é incapaz de se gerir pela própria iniciativa, sempre espera que alguém “forte” e “poderoso” o acolha de sua inépcia. Há uma contradição claríssima: se por um lado a iniciativa privada é permitida, contraditoriamente, ela é malvista, senão estigmatizada. A iniciativa privada é objetada com desconfiança, porque esta tradição cultural inepta, tosca, invejosa, mentalmente atrasada, sente-se afrontada com a eficiência e com a independência de alguns.



A pergunta poderia ser dada: o que é iniciativa privada? A iniciativa privada compreende todos os membros da sociedade como indivíduos, que geram sua vida social à margem do poder político. São os cidadãos comuns, que participam da sociedade civil como entes privados. E a “livre iniciativa” nada mais é do que atos voluntários feitos por pessoas, movidas muitas vezes por suas próprias idéias, como por seus próprios riscos, sejam econômicos, intelectuais e civis, mediante livre contrato, com o intuito de satisfação comum entre as partes. E economicamente falando, “livre iniciativa” pode ser entendido como a sociedade de milhões de pessoas individuais que se relacionam mutuamente, através das trocas econômicas, relações de trabalho e a proliferação espontânea de idéias e empreendimentos dentro sociedade civil. Em outras palavras, a iniciativa privada somos nós, seres mortais da sociedade comum. Se a iniciativa privada retrata os indivíduos, o Estado é o poder político que contrapõe à sociedade, no sentido de administrar a coisa pública em seu aspecto de organização. Contudo, o Estado é uma ordem política centralizada, necessitando possuir freios ao seu exercício de poder. O Estado, como titular de poder sobre a sociedade e detentora da vingança pública, deve ter garantias que consagrem as liberdades dos cidadãos e contenham o poder político.

E nisto está a resposta de uma sociedade que preserva as liberdades: a lei e a propriedade privada. É na contraposição do poder público e privado que as liberdades civis e políticas respiram aliviadas. Todavia, nas sociedades patrimonialistas e autoritárias esta contraposição é tênue senão inexistente. Isto porque o poder político é concentrado e poderoso, não admitindo algo que esteja a margem de seu domínio. Se o poder político não admite limites e segurança à vida privada, logo, esta será usurpada. E não é por acaso, que numa sociedade onde o Estado tudo se intromete, quase todos possuem uma reverência messiânica ao poder político estatal. Ele alimenta a crença de que tudo provê, de que tudo faz, porque é o poder último da sociedade, e a sociedade civil deve viver em torno dele. A sociedade civil, impotente ao poder do Estado, acaba dependendo emocionalmente dele, como se fosse árbitro de tudo e de todos.

A antiga crença absolutista monárquica e a moderna crença socialista são impressionantemente parecidas neste culto do poder político. Ambas se primam pela idéia do “controle” da sociedade, da desconfiança da sociedade civil e da hostilidade contra o livre empreendimento. Também pudera, a burocracia estatal moderna é fruto da velha monarquia absolutista. O “burguês”, o “banqueiro”, o “capitalista”, como figuras independentes e fora de um status social privilegiado, são vistos de forma pejorativa, tanto para o nobre absolutista como para o intelectual socialista. E ambos se primam na cultura de castas: para o nobre, a sua corte e a sua estirpe; para o socialista, o partido e a burocracia. E enquanto as figuras pejorativas do “burguês” ou “banqueiro” são estes artesãos ou judeus que só pensam na previdência, na poupança e no “lucro mesquinho”, a aristocracia e a burocracia, com seus preconceitos misturados a desconfiança, hostilizam tudo aquilo, que na prática, ameaçam seu poder. Invocam supostos valores acima do bem e do mal. São os porta-vozes de algo superior, eleitos pelo sangue ou pela história. É óbvio que os valores da aristocracia são bem diferentes e superiores dos ideais socialistas. Contudo, os preconceitos são bem semelhantes.

Em contrapartida, há algo que os socialistas e estatólatras do bem público esquecem, quando cultuam as peripécias do Estado contra o “mercado excluidor” ou contra o “lucro mesquinho” : o Estado, que nada produz, que vive das contribuições e do dinheiro alheio, apropria-se desse “lucro mesquinho” que nunca produziu e sobrevive desse “mercado excluidor” que o beneficia. E o Estado, antes de utilizar os impostos para o bem público, muitas vezes extorque uns em favor de outros, aos agrados do poder político dominante. Em nome do discurso da hostilidade aos “poderosos”, o governo acaba servindo para ganhar o voto dos pobres e roubar o dinheiro dos ricos, principalmente daqueles que estão fora do poder político. Os ricos acabam fugindo ou empobrecem só resta aos pobres pagarem os tributos, para que outros ricos ligados ao Estado se privilegiem. No final da história, é o Estado que vira o todo-poderoso! A crença comum dos inimigos do “lucro mesquinho” da iniciativa privada parece ignorar que é perverso o Estado se apropriar arbitrariamente do lucro de outrem sem trabalhar por ele. Ou seja, é um lucro bem mais mesquinho.

Não se apregoa aqui o anarquismo. A sociedade civil precisa de governo, e, portanto, de poder estatal. Porém, uma sociedade que queira preservar sua eficiência e suas liberdades políticas e civis, deve sempre desconfiar do poder político. Estado bom é Estado mínimo. Não há nada que se imponha alguma superioridade moral do Estado, tampouco de suas estatais horrendas e deficitárias ou de suas pretensas “caridades” públicas. Os fatos estão para mostrar que a sociedade civil independente e a iniciativa privada forte e segura são os melhores exemplos de uma nação próspera e livre. Antes desconfiarmos da autoridade moral do Estado, pois aí está a nossa verdadeira desgraça, do que desconfiarmos da iniciativa privada ou de nós mesmos.

Um comentário:

Anônimo disse...

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